1ª
Versão
Por Aluno 3
Se dissesse aos meus bons colegas do
curso de Letras que adentrei o meio acadêmico, em março de 2013, ainda não
completamente alfabetizado, provavelmente fariam eles de mim seu mais novo
motivo de risada. Enquanto ainda me importar, no entanto, com a minha
fidelidade para com a verdade e para com a descrição das realidades por mim
vivenciadas, não posso negar este tal fato que tão marcante foi à minha pessoa
no meu primeiro ano enquanto estudante universitário: eu, já com meus 17 anos,
iniciei minha vida acadêmica ainda sem ter um próprio domínio sobre o sistema
de códigos utilizado na escrita relativa à minha área de estudos de então.
Para que não existam maiores
confusões em relação a essa minha afirmação, e também para que não seja
indevidamente superestimado o meu intelecto por quem quer que este texto neste
momento leia (eu era, realmente, um semianalfabeto), concedo destaque às seguintes
noções de alfabetização e letramento, elaboradas a partir das suas principais
diferenças:
“Alfabetização significa apenas a
ação de ensinar/apreender a ler e a escrever, enquanto letramento diz respeito
à condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva (dedica-se a
atividades de leitura e escrita) e exerce (responde às demandas sociais também
dessas mesmas habilidades) as práticas sociais que usam a escrita.” (ROTTAVA,
1998, p. 12)
Creio que ainda não tratei de
mencionar que o curso de Letras foi apenas o segundo do qual fui estudante na
aclamada Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sendo minhas
primeiras cadeiras na faculdade aquelas relacionadas ao curso de Licenciatura
em Física, sobre o qual venho até agora discorrendo. O sistema de signos sobre
o qual não tinha eu domínio completo (assim como ainda não o tenho), não era
outro senão o conjunto de números, sinais e símbolos diversos relativos às
operações matemáticas. Talvez essa informação seja de alguma forma importante
ao leitor...
Ler é utilizar-se da linguagem para determinado objetivo, bem como para
alguém e em certas circunstâncias (ROTTAVA, 1998, p. 14). Assim sendo, eu não
sabia ler. Ao menos não no idioma usado no mundo das ciências exatas. Apenas reconhecia
alguns dos signos presentes nos textos a serem estudados nas disciplinas da
faculdade. Estava, no entanto, tranquilo, pois sabia que praticamente todos os
meus colegas de curso compartilhavam comigo tal situação de alfabetização
incompleta em relação ao material aos alunos apresentado pelos professores de
Cálculo e de Física Geral: poucos saem do seu Ensino Médio reconhecendo “∫”
como código representativo de uma integral, afinal de contas. Felizmente, com o
auxílio dos meus mestres de então, muito solidamente aprendi a parcela
necessária daquele vasto alfabeto para que fosse devidamente concluído o
semestre de estudos.
“A
compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de conhecimento
prévio: o leitor utiliza na leitura o que
ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a
interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico,
o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido
do texto” (KLEIMAN, 1995, p. 13)
Se considerarmos como o letramento
correspondente à leitura referente à linguagem matemática o raciocínio lógico com
o qual trabalhamos desde muito cedo em nossas vidas através das nossas
constantes sessões de busca por padrões na natureza que nos cerca enquanto
somos apenas pequenas crianças (por exemplo, quando repetidamente arremessamos
objetos diversos ao solo, desenvolvendo, por fim, uma coerente hipótese de que
“todos os corpos pesados caem em direção ao chão”), esse letramento é, de fato,
anterior à nossa “alfabetização algébrica”. O que, no entanto, mais é a mim
interessante, e desafiador, quanto ao aprendizado da linguagem matemática, é o
fato de praticamente todo o símbolo pertencente a esse sistema apenas poder ser
compreendido através do conhecimento prévio de uma anterior (e mais
fundamental) combinação lógica entre outros símbolos diversos (apenas compreendemos
o funcionamento da operação “a x b” quando a entendemos como
equivalente a “b1 + b2 + ... + ba”, por exemplo): todo signo
desse complexo alfabeto dominado pelos grandes cientistas e pesquisadores
maiores das ciências exatas e naturais é, por si só, indispensável conhecimento
prévio para o aprendizado do signo seguinte. Quando analisada qualquer língua
materna (como o português), todos os fonemas constituintes do seu sistema de
códigos fundamentais são em grande medida independentes entre si em relação aos
seus respectivos significados (não há mais complexas relações de significado
entre os fonemas relativos às letras “v” e “j” do nosso alfabeto, por exemplo,
ao menos não em uma medida semelhante à relação entre dois símbolos matemáticos
distintos), enquanto que o alfabeto relativo à matemática tem cada uma das suas
menores partes necessariamente vinculadas umas às outras através de um
determinado sistema lógico padronizado. Tal característica dessa linguagem que
utilizei em minhas leituras acadêmicas do primeiro semestre do ano de 2013 me
parece ser a maior causa da minha tão acentuada dificuldade inicial em extrair os
devidos sentidos dos textos a mim apresentados em forma de equações.
Somente depois de perceber, sob
influência de muitas horas de estudos e de treinamento através de exercícios
diversos, essas peculiaridades intrínsecas à linguagem matemática que, creio
eu, fui capaz de realmente efetuar uma decente leitura dos textos apresentados
em aula pelos professores, alcançando um nível de alfabetização suficiente ao
que de mim era requisitado pelo meu currículo naquele momento. Por fim, fui um
dentre os cinco aprovados sem necessidade por provas de recuperação na cadeira
de Cálculo I (dentro de uma turma com aproximadamente 100 alunos). Foi muito
divertida e fascinante minha breve passagem pelo curso de Física, e muito dou
valor a todo o conhecimento que obtive como resultado das incontáveis horas de
dedicação, estudo, e leitura que, com o passar do tempo, foram se tornando cada
vez menos cansativas e mais (muito mais) interessantes.
Referências
KLEIMAN, Angela. Texto e Leitor:
Aspectos Cognitivos da Leitura. 4ª. Ed. Campinas, SP: Pontes, 1995, p. 13.
ROTTAVA, Lucia. A Importância da Leitura na Construção do Conhecimento. In: Espaços
da Escola, Ijuí, Editora UNIJUÍ, nº 35, jan.-mar. 2000, p. 12-14.
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