quarta-feira, 25 de junho de 2014

Semianalfabeto aos 17

1ª Versão
Por Aluno 3


            Se dissesse aos meus bons colegas do curso de Letras que adentrei o meio acadêmico, em março de 2013, ainda não completamente alfabetizado, provavelmente fariam eles de mim seu mais novo motivo de risada. Enquanto ainda me importar, no entanto, com a minha fidelidade para com a verdade e para com a descrição das realidades por mim vivenciadas, não posso negar este tal fato que tão marcante foi à minha pessoa no meu primeiro ano enquanto estudante universitário: eu, já com meus 17 anos, iniciei minha vida acadêmica ainda sem ter um próprio domínio sobre o sistema de códigos utilizado na escrita relativa à minha área de estudos de então.
            Para que não existam maiores confusões em relação a essa minha afirmação, e também para que não seja indevidamente superestimado o meu intelecto por quem quer que este texto neste momento leia (eu era, realmente, um semianalfabeto), concedo destaque às seguintes noções de alfabetização e letramento, elaboradas a partir das suas principais diferenças:
“Alfabetização significa apenas a ação de ensinar/apreender a ler e a escrever, enquanto letramento diz respeito à condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva (dedica-se a atividades de leitura e escrita) e exerce (responde às demandas sociais também dessas mesmas habilidades) as práticas sociais que usam a escrita.” (ROTTAVA, 1998, p. 12)
            Creio que ainda não tratei de mencionar que o curso de Letras foi apenas o segundo do qual fui estudante na aclamada Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sendo minhas primeiras cadeiras na faculdade aquelas relacionadas ao curso de Licenciatura em Física, sobre o qual venho até agora discorrendo. O sistema de signos sobre o qual não tinha eu domínio completo (assim como ainda não o tenho), não era outro senão o conjunto de números, sinais e símbolos diversos relativos às operações matemáticas. Talvez essa informação seja de alguma forma importante ao leitor...
Ler é utilizar-se da linguagem para determinado objetivo, bem como para alguém e em certas circunstâncias (ROTTAVA, 1998, p. 14). Assim sendo, eu não sabia ler. Ao menos não no idioma usado no mundo das ciências exatas. Apenas reconhecia alguns dos signos presentes nos textos a serem estudados nas disciplinas da faculdade. Estava, no entanto, tranquilo, pois sabia que praticamente todos os meus colegas de curso compartilhavam comigo tal situação de alfabetização incompleta em relação ao material aos alunos apresentado pelos professores de Cálculo e de Física Geral: poucos saem do seu Ensino Médio reconhecendo “∫” como código representativo de uma integral, afinal de contas. Felizmente, com o auxílio dos meus mestres de então, muito solidamente aprendi a parcela necessária daquele vasto alfabeto para que fosse devidamente concluído o semestre de estudos.

 “A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto” (KLEIMAN, 1995, p. 13)

            Se considerarmos como o letramento correspondente à leitura referente à linguagem matemática o raciocínio lógico com o qual trabalhamos desde muito cedo em nossas vidas através das nossas constantes sessões de busca por padrões na natureza que nos cerca enquanto somos apenas pequenas crianças (por exemplo, quando repetidamente arremessamos objetos diversos ao solo, desenvolvendo, por fim, uma coerente hipótese de que “todos os corpos pesados caem em direção ao chão”), esse letramento é, de fato, anterior à nossa “alfabetização algébrica”. O que, no entanto, mais é a mim interessante, e desafiador, quanto ao aprendizado da linguagem matemática, é o fato de praticamente todo o símbolo pertencente a esse sistema apenas poder ser compreendido através do conhecimento prévio de uma anterior (e mais fundamental) combinação lógica entre outros símbolos diversos (apenas compreendemos o funcionamento da operação “a x b” quando a entendemos como equivalente a “b1 + b2 + ... + ba”, por exemplo): todo signo desse complexo alfabeto dominado pelos grandes cientistas e pesquisadores maiores das ciências exatas e naturais é, por si só, indispensável conhecimento prévio para o aprendizado do signo seguinte. Quando analisada qualquer língua materna (como o português), todos os fonemas constituintes do seu sistema de códigos fundamentais são em grande medida independentes entre si em relação aos seus respectivos significados (não há mais complexas relações de significado entre os fonemas relativos às letras “v” e “j” do nosso alfabeto, por exemplo, ao menos não em uma medida semelhante à relação entre dois símbolos matemáticos distintos), enquanto que o alfabeto relativo à matemática tem cada uma das suas menores partes necessariamente vinculadas umas às outras através de um determinado sistema lógico padronizado. Tal característica dessa linguagem que utilizei em minhas leituras acadêmicas do primeiro semestre do ano de 2013 me parece ser a maior causa da minha tão acentuada dificuldade inicial em extrair os devidos sentidos dos textos a mim apresentados em forma de equações.
            Somente depois de perceber, sob influência de muitas horas de estudos e de treinamento através de exercícios diversos, essas peculiaridades intrínsecas à linguagem matemática que, creio eu, fui capaz de realmente efetuar uma decente leitura dos textos apresentados em aula pelos professores, alcançando um nível de alfabetização suficiente ao que de mim era requisitado pelo meu currículo naquele momento. Por fim, fui um dentre os cinco aprovados sem necessidade por provas de recuperação na cadeira de Cálculo I (dentro de uma turma com aproximadamente 100 alunos). Foi muito divertida e fascinante minha breve passagem pelo curso de Física, e muito dou valor a todo o conhecimento que obtive como resultado das incontáveis horas de dedicação, estudo, e leitura que, com o passar do tempo, foram se tornando cada vez menos cansativas e mais (muito mais) interessantes.   
           
Referências
KLEIMAN, Angela. Texto e Leitor: Aspectos Cognitivos da Leitura. 4ª. Ed. Campinas, SP: Pontes, 1995, p. 13.

            ROTTAVA, Lucia. A Importância da Leitura na Construção do Conhecimento. In: Espaços da Escola, Ijuí, Editora UNIJUÍ, nº 35, jan.-mar. 2000, p. 12-14.

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