Reescrita
Por Aluno 44
“Numa
casinha branca, lá sítio do Pica-Pau Amarelo, mora uma velha de mais de
sessenta anos” dizia minha mãe, lendo “Reinações de Narizinho” de Monteiro
Lobato. Lembro-me com exatidão da cena: eu estava deitada na minha pequena cama
que ficava dentro do meu quartinho com paredes rosa. A visão só alcançava minha
mãe – que se encontrava sentada ao meu lado, um abajur floral e o teto com
diversas estrelinhas brilhantes coladas. Minha idade? Cerca de sete ou oito
anos.
Esta
é a memória mais antiga que tenho do meu contato com a leitura, mas segundo
minha mãe, não foi o início. Apaixonei-me pela primeira vez com cinco anos e o
livro se chamava “A Bolinha que Não Rolava” do autor Marô Barbieri. Tenho vagas
lembranças daquela capa preta, o título escrito em letras simples e coloridas e
com uma bolinha vermelha triste. Eu andava com o livro pra cima e pra baixo,
repetindo as frases e admirando as figuras. Minha mãe lia com frequência e,
pelo que ela relata, eu repetia as palavras, apontando e tentando me afeiçoar
àquelas palavras.
Minha
primeira leitura em casa foi “A Arca de Noé” de Vinicius de Moraes. Era o
momento da leitura, cerca de sete horas da noite, depois da janta. Eu e minha
mãe sentávamos no sofá da sala juntas, sem muito barulho dentro de casa e ela
lia uma história pra mim. Neste dia, segundo o que me conta, eu mesma abri uma
página do livrinho e li duas palavrinhas.
Em
seu texto, Rottava (2000) coloca que é importantíssimo, para o desenvolvimento
da criança, que os pais participem deste processo do desenvolvimento do hábito
de leitura. A autora diz que a escola é importante para mas que os pais também
devem estar conscientes de seu papel. Neste sentido, nada tenho a reclamar de
meus pais que participaram ativamente me incentivando a ler, comprando livros e
ressaltando a importância da leitura.
Junto
com o aprendizado da leitura, veio o gosto pela mesma. Mais do que ler as
palavras presentes no papel, passei a desenvolver o costume de comprar livros e
conviver com a literatura. Ouvir histórias já não tinha o mesmo gosto do que
contato com elas. Sentia uma necessidade
de enxergar e absorver as palavras presentes no papel.
No
mesmo texto citado acima, Rottava explica a diferença entre ser alfabetizado e
ser letrado. A autora comenta que alfabetização significa aprender a ler e a
escrever e, letramento diz respeito à condição de quem não apenas sabe ler e
escrever mas cultiva o hábito de ambas as ações. Creio que este processo de
alfabetização (que, no meu caso, foi ensinada por meus pais e pela escola) se
transformar em letramento (graças aos meus pais) se deu relativamente cedo. No
momento em que comecei a ler, passei a desenvolver o gosto pela leitura.
Com
cerca de dez anos me apaixonei de novo, desta vez, pela poesia. Seu nome era
“Ou Isto ou Aquilo” e a autora é a Cecília Meirelles. Também foi aquele amor
avassalador. Lidar com aquelas palavras desalinhadas no papel e que,
aparentemente, não fazem muito sentido entre si. Ah, como eu adorava pensar na
bailarina que “Não conhece nem dó nem ré/Mas sabe ficar na ponta do pé.”
Já
no segundo ano do ensino médio, para um trabalho da escola, tive contato com “A
Hora da Estrela” da Clarice Lispector. Os aspectos psicológicos eram bem
interessantes, mas nada que me deixasse sem fôlego por conta da falta de
entendimento. Angela Kleiman chega a citar em um de seus textos que “a pouca
familiaridade com o assunto pode causar incompreensão.” (KLEIMAN, 1995, p. 20).
Quando uma professora propôs a discussão em aula, comentando alguns aspectos
que passaram despercebidos por mim, que
me deparei com o encantamento por obras mais psicológicas. Foi um livro
decisivo no abandono de uma literatura juvenil e na vontade de ler obras que,
mesmo sendo mais complicadas, abririam espaço para análises mais profundas.
Hoje não sei se a minha percepção como leitora desta obra seria
a mesma. Talvez não me despertasse tanto interesse pois meu gosto literário se
volta mais para o foco social e não tanto psicológico. No entanto, Kleiman
coloca que:
A
compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de conhecimento
prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido
ao longo de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de
conhecimento, como o conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento de
mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto (KLEIMAN, 1995, p.
13)
A
leitura se tornou pra mim um dos maiores prazeres. Com ela, aprendi a me tele
transportar a outros locais, sentir outras emoções e conhecer outras
percepções. Rottava (2000) diz que ler, acima de tudo, está ligado a construção
de sentidos e que este sentido é, na verdade, a construção de uma mensagem.
Termino dizendo que as obras que li durante a vida, influenciaram diretamente
na construção do meu pensamento atual. Como exemplo, cito alguns autores
latino-americanos como Pablo Neruda e Jorge Amado que com suas respectivas
obras me auxiliaram na construção de um sentimento de identidade com esta parte
do mundo chamada América Latina.
Referências
Bibliográficas
ROTTAVA, Lucia; A Importância da Leitura na Construção de
Conhecimento In Espaço da Escola; n. 35; p. 11-16; 2000
ROTTAVA, Lucia; A leitura em contexto acadêmico: o processo
de construção de sentidos de alunos do primeiro semestre do curso de letras
In Signo; v. 37 n.63, p. 160-179, 2012.
KLEIMAN,
Angela; Texto e Leitor: Aspectos Cognitivos da Leitura. 4ª. Ed.
Campinas, SP: Pontes, 1995, p. 13.
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