sábado, 28 de junho de 2014

Tapeçaria

Reescrita
Por Aluno 8

                 Minha trajetória de leitura começou cedo. Na estante de madeira escura de minha sala, próxima a janela que dava para um grande abacateiro, encontravam-se livros dos mais diversos tamanhos e cores. Eles faziam parte do lugar onde passei boa parte de minha infância, na qual minha mãe se sentava e lia durante horas e horas. E eu, um tanto curiosa em saber que graça tinham aquelas páginas de papel, tentava imitá-la, franzindo a testa, estreitando os olhos e fingindo que compreendia os seus livros complicados repletos de classificações de rochas e conceitos geográficos.
    A partir dessa curiosidade inicial (e depois de muito tempo e esforço), aprendi a ler. Comecei o ato da leitura e gostava de realizá-lo principalmente porque aquele mundo que encontrava nas histórias era tão diferente do meu. Meu primeiro livro favorito era Bruxa Onilda vai à Nova York, de Roser Capdevila, pois justamente era lá que eu encontrava novas realidades mágicas, com seus feitiços, corujas que falavam, bruxas que iam a desfiles de moda, vassouras que voavam e a magia que não existia no cotidiano. Saía do tédio do dia a dia por se tratarem de situações incomuns, que eu nem sequer teria imaginado se não fossem pelos enredos.
Construía, dessa forma, sentidos positivos a outras obras (não só à Bruxa Onilda, mas também a vários outros livros de ficção), achava-as cativantes por me prenderem à narrativa, podia ler horas e horas a fio. Esses sentidos foram construídos de acordo com o resultado de experiências com outras leituras infantis, além de meu conhecimento prévio das leituras que realizava na época (ROTTAVA, 1998). Mais tarde, esse conhecimento prévio de leituras fantásticas me levou a novos tipos de livros.
Esses novos livros foram, em parte, apresentados por meus pais. Foi uma fase importante do estímulo à leitura, pois eles me incentivaram e motivaram não só a ler o que a escola pedia, mas também outros temas (ROTTAVA, 2000).
Os novos temas, novos livros, foram uma queda do mundo fantástico de fadas, bruxas e elfos para os romances policiais, como Sherlock Holmes, de Sir Arthur Conan Doyle. Eu procurava me envolver nas histórias tentando descobrir o que conectava os pontos dos mistérios, as redes criadas por criminosos nos crimes perfeitos e nos planos infalíveis.
Essas leituras me instigaram a não apenas abranger o campo de assuntos que me interessavam, mas também contribuíram para a construção de conhecimento. Não só leituras de jornais do dia a dia constroem o conhecimento, mas de acordo com Britto (2012), as leituras que estão além das esperadas, das obrigatórias, são aquelas que nos ajudam em tarefas de interpretação e foco no que está sendo lido.
Estabeleci e desenvolvi maior atenção no que lia a partir do momento em que me esforçava e praticava o ato da leitura, ou seja, quanto mais eu lia, melhor eu lia (e isso vale para qualquer leitor). A leitura não só me servia de entretenimento, mas expandia os campos da minha imaginação.

                       “A leitura é uma habilidade que perpassa de maneira transversal                                                        o conhecimento de maneira geral, contribuindo para a construção do                                                         conhecimento em várias áreas.” (ROTTAVA, 2000, p. 12). 

Passei a compreender melhor as histórias, pois já procurava entender alguns significados dos enredos ou o que eles tentavam passar adiante. Nos romances de meu detetive de Baker Street (citado acima), por exemplo, era passada a ideia de que é preciso ter atenção a todos os detalhes no mundo que nos cerca, observar é muito diferente de só ver, é preciso levantar hipóteses a partir do que é observado. “Observar” é dar significado, “ver” é simplesmente olhar.
Esses e outros significados eram interpretados e reconhecidos por mim nos textos que passava a ler (e reler), que também me trouxeram outro benefício importante: a escrita. Comecei a escrever porque adorava ler, criar novas histórias repletas de magia e façanhas dos meus heróis favoritos, com monstros horrendos e princesas aprisionadas por dinossauros.
Escrevia a partir das histórias que já tinha lido antes. Meu objetivo de ler acabou virando inspiração nos processos de reconstrução de significados às experiências anteriores (ROTTAVA, 1998). Recordava de personagens que haviam me marcado, vivências e aventuras cheias de ação, como as histórias de Senhor dos Anéis, de Tolkien, ou em Artemis Fowl, de Eoin Colfer.
Nesses livros, eu encontrava batalhas, seres mitológicos, e tentava recriar as cenas nas minhas próprias histórias, descrevendo algumas que havia lido ou criando algo novo com base no meu conhecimento prévio. Ler me ajudou no processo de escrita e de criação, pois de acordo com Rottava (2000), ler e escrever são indissociáveis, com os quais os leitores compartilham pensamentos e ideias.
            Esclarecer meus pensamentos nunca foi tarefa fácil, sempre havia um terreno árduo a ser percorrido. Unir ponto a ponto, costurar cada palavra de maneira fixa era difícil, sempre custei a especificar e organizar minhas ideias. Na maior parte das vezes, não funcionava, surgia um turbilhão de conceitos mal conectados, mas só aprendi a escrever pela prática da escrita, processo que deve ser exercido diversas vezes (ROTTAVA, 1998).
            E quanto mais eu escrevia, mais eu melhorava. O processo me ajudava a esclarecer as ideias, refletir sobre os pontos principais dos quais eu queria chamar a atenção e, a partir da prática intensiva, consegui integrar as minhas ideias aos textos (ROTTAVA, 1998). Se antes eu não conseguia nem mesmo atar os nós da costura, hoje consigo até pregar alguns botões, trazer alguns argumentos e relacioná-los razoavelmente.
            Quando digo “razoavelmente”, refiro-me a escrever com precisão, sem deixar ideias vagas, conceitos abstratos. Aprendi a me esforçar para redigir textos mais específicos, com pensamentos claros, interligados por uma mesma linha, um fio conector de minha costura.
            A leitura me levou a campos desconhecido e a escrita me levou a explorá-los. Depois da leitura fantástica, num salto fui parar na literatura, junto de livros como O Tempo e Vento, de Érico Veríssimo, e Os Miseráveis,de Victor Hugo, passei a interagir com o mundo a minha volta. Relacionava os assuntos universais dos enredos (como a família, as causas sociais, as brigas políticas) com a realidade em que estava inserida, e escrevia, a partir disso, minhas opiniões.
            As melhores leituras foram as que me fizeram pensar com elas, refletir a partir da reação que provocavam em mim, emitir opiniões e impulsionar a construção de meu conhecimento (ROTTAVA 2000). Recebi muito das leituras que realizei, encontrei personagens marcantes (como Ana Terra e sua força em manter a família) e situações extremas da natureza humana (como o julgamento de Esmeralda em Os Corcunda de Notre Dame, de Victor Hugo), nas quais a violência e a injustiça estavam presentes.
            Meu processo de leitura passou desde o entretenimento dos livros infantis até os mais densos, que podiam me chocar com a seriedade das tramas ou me emocionar com seus desfechos. Nunca me esqueci, por exemplo, desse trecho de O continente:
                                  “Ergueu Leonor nos braços, segurou a mão de Bolívar, lançou                                                             um último olhar para a sepultura de Rodrigo e achou que afinal de                                                     contas tudo estava bem. Podiam dizer o que quisessem, mas a                                                         verdade era que o Capitão Cambará tinha voltado para casa."
                                                  (VERISSIMO, Érico, p. 309 Editora Globo, v.1)

            A morte do personagem na saga representou uma grande fase na minha leitura: passei a me integrar na história a ponto de sentir com ela, guardar na memória passagens como esta, que marcam pela força das imagens e do sentimento do enredo.
Foram os pequenos livros que me levaram a ler os grandes (como a obra citada acima), foi a partir da prática diária que comecei a me interessar e a definir objetivos como leitora. A leitura vinculou-se ao meu novo contexto social, o acadêmico, o qual exige que a literatura seja estudada, não mais os livros de ficção infantil, mas as novas circunstâncias, assim como toda leitura (ROTTAVA, 2000).
Ainda assim, não esqueci a origem das minhas antigas leituras, do sentimento de descoberta que tinha com elas, de todos os mundos aos quais fiz parte e que me ajudaram a construir o conhecimento que tenho até hoje. Foram eles que me impulsionaram e ajudaram a tecer, ponto a ponto, a tapeçaria da minha trajetória de leitura.

Referências Bibliográficas
ROTTAVA, Lucia; Leitura e Escrita na Pesquisa e no Ensino In Espaço da Escola; n. 26; p. 61-68; 1998
ROTTAVA, Lucia; A Importância da Leitura na Construção de Conhecimento In Espaço da Escola; n. 35; p. 11-16; 2000
BRITTO, Luiz P. L.; Leitura: acepções, sentido e valor In Nuances: estudos sobre Educação; v. 21. n. 22; p. 18-22; 2012






















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