Reescrita
Por Aluno 8
Minha trajetória de leitura começou cedo. Na estante de madeira escura de minha sala, próxima a janela que dava para um grande abacateiro, encontravam-se livros dos mais diversos tamanhos e cores. Eles faziam parte do lugar onde passei boa parte de minha infância, na qual minha mãe se sentava e lia durante horas e horas. E eu, um tanto curiosa em saber que graça tinham aquelas páginas de papel, tentava imitá-la, franzindo a testa, estreitando os olhos e fingindo que compreendia os seus livros complicados repletos de classificações de rochas e conceitos geográficos.
A partir dessa curiosidade
inicial (e depois de muito tempo e esforço), aprendi a ler. Comecei o ato da
leitura e gostava de realizá-lo principalmente porque aquele mundo que
encontrava nas histórias era tão diferente do meu. Meu primeiro livro favorito
era Bruxa Onilda vai à Nova York, de Roser
Capdevila, pois justamente era lá que eu encontrava novas realidades mágicas, com
seus feitiços, corujas que falavam, bruxas que iam a desfiles de moda, vassouras
que voavam e a magia que não existia no cotidiano. Saía do tédio do dia a dia
por se tratarem de situações incomuns, que eu nem sequer teria imaginado se não
fossem pelos enredos.
Construía,
dessa forma, sentidos positivos a outras obras (não só à Bruxa Onilda, mas também a vários outros livros de ficção), achava-as
cativantes por me prenderem à narrativa, podia ler horas e horas a fio. Esses
sentidos foram construídos de acordo com o resultado de experiências com outras
leituras infantis, além de meu conhecimento prévio das leituras que realizava
na época (ROTTAVA, 1998). Mais tarde, esse conhecimento prévio de leituras
fantásticas me levou a novos tipos de livros.
Esses
novos livros foram, em parte, apresentados por meus pais. Foi uma fase importante
do estímulo à leitura, pois eles me incentivaram e motivaram não só a ler o que
a escola pedia, mas também outros temas (ROTTAVA, 2000).
Os
novos temas, novos livros, foram uma queda do mundo fantástico de fadas, bruxas
e elfos para os romances policiais, como Sherlock
Holmes, de Sir Arthur Conan Doyle. Eu procurava me envolver nas histórias
tentando descobrir o que conectava os pontos dos mistérios, as redes criadas
por criminosos nos crimes perfeitos e nos planos infalíveis.
Essas
leituras me instigaram a não apenas abranger o campo de assuntos que me
interessavam, mas também contribuíram para a construção de conhecimento. Não só
leituras de jornais do dia a dia constroem o conhecimento, mas de acordo com
Britto (2012), as leituras que estão além das esperadas, das obrigatórias, são
aquelas que nos ajudam em tarefas de interpretação e foco no que está sendo
lido.
Estabeleci
e desenvolvi maior atenção no que lia a partir do momento em que me esforçava e
praticava o ato da leitura, ou seja, quanto mais eu lia, melhor eu lia (e isso
vale para qualquer leitor). A leitura não só me servia de entretenimento, mas
expandia os campos da minha imaginação.
“A leitura é uma habilidade que perpassa de
maneira transversal o conhecimento de maneira geral, contribuindo para a construção do conhecimento em várias áreas.” (ROTTAVA, 2000, p. 12).
Passei
a compreender melhor as histórias, pois já procurava entender alguns significados
dos enredos ou o que eles tentavam passar adiante. Nos romances de meu detetive
de Baker Street (citado acima), por
exemplo, era passada a ideia de que é preciso ter atenção a todos os detalhes
no mundo que nos cerca, observar é muito diferente de
só ver, é preciso levantar hipóteses a partir do que é observado. “Observar” é
dar significado, “ver” é simplesmente olhar.
Esses e outros significados eram interpretados e reconhecidos por
mim nos textos que passava a ler (e reler), que também me trouxeram outro
benefício importante: a escrita. Comecei a escrever porque adorava ler, criar novas histórias
repletas de magia e façanhas dos meus heróis favoritos, com monstros horrendos
e princesas aprisionadas por dinossauros.
Escrevia a partir das
histórias que já tinha lido antes. Meu objetivo de ler acabou virando
inspiração nos processos de reconstrução de significados às experiências
anteriores (ROTTAVA, 1998). Recordava de personagens que haviam me marcado,
vivências e aventuras cheias de ação, como as histórias de Senhor dos Anéis, de Tolkien, ou em Artemis Fowl, de Eoin Colfer.
Nesses livros, eu
encontrava batalhas, seres mitológicos, e tentava recriar as cenas nas minhas
próprias histórias, descrevendo algumas que havia lido ou criando algo novo com
base no meu conhecimento prévio. Ler me ajudou no processo de escrita e de
criação, pois de acordo com Rottava (2000), ler e escrever são indissociáveis,
com os quais os leitores compartilham pensamentos e ideias.
Esclarecer meus pensamentos nunca
foi tarefa fácil, sempre havia um terreno árduo a ser percorrido. Unir ponto a
ponto, costurar cada palavra de maneira fixa era difícil, sempre custei a
especificar e organizar minhas ideias. Na maior parte das vezes, não
funcionava, surgia um turbilhão de conceitos mal conectados, mas só aprendi a
escrever pela prática da escrita, processo que deve ser exercido diversas vezes
(ROTTAVA, 1998).
E quanto mais eu escrevia, mais eu
melhorava. O processo me ajudava a esclarecer as ideias, refletir sobre os
pontos principais dos quais eu queria chamar a atenção e, a partir da prática
intensiva, consegui integrar as minhas ideias aos textos (ROTTAVA, 1998). Se
antes eu não conseguia nem mesmo atar os nós da costura, hoje consigo até
pregar alguns botões, trazer alguns argumentos e relacioná-los razoavelmente.
Quando digo “razoavelmente”, refiro-me
a escrever com precisão, sem deixar ideias vagas, conceitos abstratos. Aprendi
a me esforçar para redigir textos mais específicos, com pensamentos claros,
interligados por uma mesma linha, um fio conector de minha costura.
A leitura me levou a campos
desconhecido e a escrita me levou a explorá-los. Depois da leitura fantástica,
num salto fui parar na literatura, junto de livros como O Tempo e Vento, de Érico Veríssimo, e Os Miseráveis,de Victor Hugo, passei a interagir com o mundo a
minha volta. Relacionava os assuntos universais dos enredos (como a família, as
causas sociais, as brigas políticas) com a realidade em que estava inserida, e
escrevia, a partir disso, minhas opiniões.
As melhores leituras foram as que me
fizeram pensar com elas, refletir a partir da reação que provocavam em mim,
emitir opiniões e impulsionar a construção de meu conhecimento (ROTTAVA 2000).
Recebi muito das leituras que realizei, encontrei personagens marcantes (como
Ana Terra e sua força em manter a família) e situações extremas da natureza
humana (como o julgamento de Esmeralda em Os
Corcunda de Notre Dame, de Victor Hugo), nas quais a violência e a
injustiça estavam presentes.
Meu processo de leitura passou desde
o entretenimento dos livros infantis até os mais densos, que podiam me chocar
com a seriedade das tramas ou me emocionar com seus desfechos. Nunca me
esqueci, por exemplo, desse trecho de O
continente:
“Ergueu Leonor nos
braços, segurou a mão de Bolívar, lançou um último olhar para a sepultura
de Rodrigo e achou que afinal de contas tudo estava bem. Podiam dizer o que
quisessem, mas a verdade era que o Capitão Cambará tinha voltado para casa."
(VERISSIMO, Érico, p. 309 Editora Globo, v.1)
A morte do personagem na saga
representou uma grande fase na minha leitura: passei a me integrar na história
a ponto de sentir com ela, guardar na memória passagens como esta, que marcam
pela força das imagens e do sentimento do enredo.
Foram
os pequenos livros que me levaram a ler os grandes (como a obra citada acima),
foi a partir da prática diária que comecei a me interessar e a definir objetivos
como leitora. A leitura vinculou-se ao meu novo contexto social, o acadêmico, o
qual exige que a literatura seja estudada, não mais os livros de ficção
infantil, mas as novas circunstâncias, assim como toda leitura (ROTTAVA, 2000).
Ainda
assim, não esqueci a origem das minhas antigas leituras, do sentimento de
descoberta que tinha com elas, de todos os mundos aos quais fiz parte e que me
ajudaram a construir o conhecimento que tenho até hoje. Foram eles que me
impulsionaram e ajudaram a tecer, ponto a ponto, a tapeçaria da minha
trajetória de leitura.
Referências
Bibliográficas
ROTTAVA,
Lucia; Leitura e Escrita na Pesquisa e
no Ensino In Espaço da Escola; n. 26; p. 61-68; 1998
ROTTAVA,
Lucia; A Importância da Leitura na
Construção de Conhecimento In Espaço da Escola; n. 35; p. 11-16; 2000
BRITTO,
Luiz P. L.; Leitura: acepções, sentido e
valor In Nuances: estudos sobre Educação; v. 21. n. 22; p. 18-22; 2012
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