Reescrita
Por Aluno 17
Não
consigo lembrar-me exatamente do primeiro livro que li, ganhei ou comprei. Que
dirá lembrar o primeiro livro que leram para mim. Às vezes fico tentando buscar
na memória respostas para perguntas como estas, tentativas falhas. Embora não
saiba nada das primeiras, eu lembro perfeitamente da história dos 7 cabritinhos
contada por minha mãe milhões de vezes antes de eu e meu irmão dormirmos. Ela
não contava a história real, inventava tantas coisas que lendo a história “de
verdade” não reconheço. Mas a de minha mãe era muito melhor, acabava com a
mamãe cabritinha recuperando os filhos e dando tantas palmadas no lobo que ele não
conseguiria mais sentar, e depois disso a mamãe e os 7 cabritinhos iam todos
fazer um lanche no McDonalds!
Eu
cresci, não rodeada por livros como gostaria de dizer, mas com fácil acesso a
muitos deles. Conheci os irmãos Grimm bem cedo ouvindo minha mãe contá-los, e
quando, hoje, pego alguma de suas histórias, sinto familiaridade, não sei como
termina nem nada parecido. Lembro que, quando criança gostava muito das figuras
nos livros e criava desafios nos quais adivinhava a história somente pelas
gravuras. Minha mãe era a juíza, e hoje penso que provavelmente se deixava
levar pelo natural favoritismo. Impossível eu ter acertado todas as vezes.
Tenho
até hoje uma coleção da Disney chamada Uma História Por Dia. Os volumes são
divididos pelas estações do ano e, nossa, como eu gostava desta coleção. Eu
nunca lia só uma história por dia, quando pegava o livro lia pelo menos cinco
delas. Minhas preferidas eram as do pateta, eu tinha uma simpatia enorme pelo
personagem atrapalhado e sentimental, embora meu ursinho de dormir fosse o
Mickey vestido de mágico. Sempre me apeguei a personagens, eram eles que me
faziam gostar ou não de um livro.
A
mais longa fase em minha trajetória como leitora até hoje com certeza foi a de
ler quadrinhos. Para ser sincera, essa fase perdura até hoje. Comecei com as de
super heróis, que são a maioria, experimentei diversas histórias em quadrinhos
diferentes, como turma da Mônica, Calvin e Haroldo, Tex, etc., mas minha paixão
pelos super heróis sempre prevaleceu. Eu costumava ler qualquer uma que me
aparecesse, não me preocupava se estava lendo na sequência correta, não me
importava com a continuação das histórias nem em saber o que teria acontecido
antes. Isso mudou com o tempo, hoje em dia, por exemplo, eu só começo a ler uma
história nova se tenho certeza que conseguirei ir até o final.
Passada
minha febre de HQs, eu queria ler romances, os que eu tinha em casa eram
romances espíritas (consequência de minha mãe seguir a doutrina espírita),
então eram esses que eu lia. Minha mãe, nessa época, por volta de meus 10 anos,
costumava pegar muitos livros emprestados com amigos, e eu os devorava todos
sem exceção. Eram emprestados e nós éramos duas e portanto, as leituras tinham
que fluir para que a devolução não demorasse. Comecei a cansar dos romances
espíritas. Os enredos parecidos e os desfechos quase sempre iguais me
desgastaram um pouco.
Conheci
Harry Potter pelos filmes, assisti desde o primeiro no cinema, só mais tarde
fui me interessar pelos livros da série. Lembro como eram caros, e ainda hoje
são. Minha mãe comprou o 1º volume da série em um sebo e foi com ele que comecei minha “coleção” de
livros. Eu já possuía alguns livros, mas nunca tinha sentido necessidade de
manter algum comigo depois de lê-lo, guardar em uma estante e fazer dele um
“enfeite”. Após o episódio Harry Potter meus pedidos de presentes passaram a
ser livros sempre, trocava até o chocolate da páscoa por mais livros.
Mudei
de escola com 11 anos, nessa nova havia uma biblioteca enorme, diferente da
antiga escola. Passava todo o tempo livre dentro da biblioteca; -descobri nessa
biblioteca um de meus livros favoritos até hoje: “Depois daquela viagem de
Valéria Polizzi”. Foi um livro totalmente diferente do que já tinha lido até
então, era algo real, uma história verídica. A personagem/autora tinha
contraído HIV de verdade, provavelmente por esse motivo enxerguei-o como favorito. Confesso que ainda
não adquiri meu exemplar deste livro, mas pretendo. Nunca reli o livro,
provavelmente se o fizer não ache a história tão sensacional quanto achei anos
atrás. Talvez nunca releia, para preservar a primeira impressão. Penso muito
nisso, de reler livros, existem livros em minha opinião que perdem a beleza se
lidos mais de uma vez, enquanto outros a cada releitura nos surpreendem e
ensinam algo diferente (aprendi que esta segunda categoria denominamos: os
clássicos).
Quando
comecei a comprar livros minhas indicações normalmente vinham de outros livros.
Também adorava passar horas dentro de livrarias escolhendo pelas capas, títulos
ou sinopses. Conheci A Revolução dos Bichos de George Orwell com mais ou menos
14 anos, o nome me chamou a atenção e a sinopse mais ainda. Na primeira leitura
achei sensacional, apesar de não saber do contexto histórico, nem 10% das
referências e metáforas. Logo que acabei tive certeza de que era um clássico,
aquela história era feita para ser relida. Eu reli A Revolução dos Bichos
aproximadamente 5 vezes, praticamente uma vez por ano desde a primeira. É
também um favorito, apesar de até hoje entender pouco do que ele realmente diz.
Lembro
quando conheci Paulo Leminski. Meu professor costumava citar muito esse tal
“poeta ‘margenial’”. Eu gostava muito do professor, o que me influenciou a
querer conhecer o escritor. Li o livro inteiro com todas as poesias do autor,
em duas visitas seguidas à livraria do shopping onde eu trabalhava. Só me dei
conta de que ele já tinha morrido quando li no Wikipédia a data do falecimento.
O fato de o livro ser a obra completa de poesias não me sugeriu que ele já não
pudesse escrever mais por estar morto. Quando terminei de ler o livro eu só
conseguia pensar “esse cara me conhece, ele sabe como eu penso. Como?”. Eu me
senti decifrada. Leminski poderia ter sido meu melhor amigo. Na verdade, para
mim é como se ele fosse. Quando me sinto perdida, sem saber o que pensar sobre
algo, ou o que fazer a seguir eu pego o livro com a capa laranja fluorescente e
um bigode esquisito desenhado nela, com as folhas abarrotadas de post its na
lateral, abro o livro aleatoriamente, antes de olhar pra página escolho: direita
ou esquerda, e ali na página aleatória está exatamente o que meu amigo Paulo
gostaria de me dize naquele momento. Paulo adora metáforas, como todo poeta, e
às vezes eu levo um tempo para decifrar o que ele quis me dizer, mas eu sempre
me sinto melhor depois de “ouvi-lo”.
“ Há, neste caso, um
objeto cultural bem definido (não se está diante da própria realidade, mas sim
de uma representação dela ou de uma projeção de uma possibilidade) e há o
interpretante, que busca encontrar sentido naquilo com que interage ...” (BRITTO,
2012, p. 25)
Também
conheci Clarice Lispector, ou melhor, Macabéa personagem de A Hora da Estrela
escrito pela Clarice. A história de Macabéa foi um soco no meu estômago. Depois
de ler eu pensei “que mundo eu vivo onde não sei o que é isso?”, ou pior “que
tipo de pessoa eu sou se sei que coisas assim existem e eu nem penso nelas”. Eu
me referia à miséria, ignorância, fome, frio, etc. essas coisas que são uma
droga e a gente quase nem liga. Foi a Macabéa que me ensinou isso quando eu tinha
16 anos.
“(...) se pode
concluir que promover a leitura seria promover uma forma de pertencimento
crítico ao mundo. Um valor, portanto. Um valor que carrega um princípio de
humanidade e que implica, mais que o simples hábito, uma atitude. ” (BRITTO, 2012,
p. 30)
Quando
escolhi cursar letras com certeza a maior influência foi o gosto pela leitura,
demorei a cogitar a possibilidade do curso. Sequer considerava-o quando passava
o olho pelas enormes listas. Hoje em dia não entendo como demorei tanto para
perceber que minha profissão poderia estar ligada a algo que eu já conhecesse e
gostasse. Ainda no primeiro semestre do curso de letras tenho a certeza de que
nunca conseguirei ler tudo aquilo que preciso, muito menos tudo o que desejo, é
necessário estabelecer prioridades às leituras. Existem tantos livros que quero
ler e tão pouco tempo para lê-los que pensar nisso é um tanto quanto
angustiante. Prefiro não pensar.
Referências
BRITTO, Luiz Percival
Leme. Leitura: Acepções, sentidos e valor. In: Nuances: estudos
sobre educação. V.21, n. 22, p. 18-32, jan./abr. 2012.
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