Reescrita
Por Aluno 26
Certa
tarde, na aula de Leitura e Produção Textual, surgiu um debate acerca de como a
leitura é apresentada para os alunos nas escolas desde as séries iniciais até o
Ensino Médio. Nós, alunos, discutimos sobre a atual polêmica causada pela
autora Patrícia Secco, por anunciar a publicação de uma edição simplificada do
conto O Alienista, de Machado de Assis. Há muitas controvérsias sobre esse
assunto e, assim como tem muitas pessoas a favor, outras várias são contra a
adaptação da obra machadiana para uma linguagem mais acessível ao público
“iletrado”, por assim dizer. Alegam que o texto irá perder a originalidade e a
essência.
Sabemos que ter
acesso ao produto não significa ter elementos suficientes para entender o que
acontece quando o leitor interage com o texto (ROTTAVA, 1998, p.65) e isso me
deixou bastante intrigada sobre as adaptações dos clássicos: será uma forma, de
certa maneira, de diminuir a obra do autor, ou será apenas um meio de conseguir
mais leitores para esses textos tão direcionados a um público melhor instruído quando
se trata de literatura?
Aproveitando-me da
polêmica, comecei a pensar sobre como foi que fiquei conhecendo esse autor de
tão grandes obras que foi Machado e me lembrei perfeitamente: eu estava na
sétima série do Ensino Fundamental, com 13 anos. Naquele ano, a professora de
Literatura adotou como projeto de leitura, o livro “O Menino e o Bruxo”, de
Moacyr Scliar, que conta a história de Joaquim Maria: um jovem mulato e gago
que encontra um tal Bruxo do Cosme Velho, quem o incentiva a escrever
histórias. Joaquim Maria, ainda por cima, se enamora de uma menina: Capitu.
Claro que na época eu não sabia o significado de nada disso e, muito menos,
quem era Capitu.
Um ano depois, já na
oitava série, os alunos deveriam ler Dom Casmurro para a elaboração de um
trabalho. Assim o fiz e nunca detestei tanto um livro em toda minha vida.
Finalmente havia descoberto de onde surgira a tão falada Capitu, mas a
linguagem elaborada e as sentenças complexas me impediam de compreender a
história. Essa minha dificuldade está explicitada na seguinte citação de
Perini:
“No
entanto, acredito que um dos muitos fatores envolvidos na dificuldade que um
principiante encontra para chegar a ler fluentemente é que os textos que ele lê
são muitas vezes difíceis demais para ele” (PERINI, apud KLEIMAN, 1980, p.15)
E
era exatamente assim que eu e meus colegas nos sentíamos (e como a nossa
professora deveria saber que nos sentiríamos). Muitos dos meus colegas daquela
época apresentam até hoje aversão à leitura. Se isso se dá por causa da leitura
forçada de Dom Casmurro, eu não saberia dizer, mas acredito que tenha tido,
sim, grande influência. É assegurado dizer que sem o conhecimento prévio do
assunto, não haverá compreensão do texto por parte do leitor (KLEIMAN, 1995,
p.13) e ter esse conhecimento sobre Machado de Assis na oitava série é um tanto
incomum.
Entretanto,
sendo eu um tanto curiosa, no segundo ano do Ensino Médio, resolvi romper essa
barreira contra Machado de Assis que a escola havia me imposto. Li e reli Dom
Casmurro e, logo após, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Helena. Dessa vez, o
texto de Machado não me pareceu um inimigo como da outra vez, porque eu já
havia alcançado certa maturidade para poder entendê-lo, e dessa forma, os escritos
desse grande homem se tornaram meus companheiros para a vida toda.
Assim que refleti
sobre esses acontecidos, fiquei fazendo considerações sobre a polêmica de
adaptação da obra machadiana. Dizemos que ler está ligado à construção de
sentidos (ROTTAVA, 2000, p. 14) e, para isso (como já foi dito anteriormente),
é essencial que tenhamos um conhecimento prévio da leitura, que envolve,
também, um conhecimento linguístico (o qual está implícito em todos os
falantes), um conhecimento textual que nos faz ter noção sobre o assunto que é
tratado no texto e um conhecimento “de mundo”, que é o conhecimento adquirido
informalmente por nosso convívio social (KLEIMAN, apud ROTTAVA, 1995, p.15).
Entretanto, mesmo sabendo da importância de se ter um conhecimento prévio, apresentamos
textos originais de Machado de Assis para nossos alunos de 13, 14 anos de idade
e queremos exigir que eles os compreendam. Porém, se eles não sabem nada sobre
o autor, o contexto, o porquê de estarem lendo tal coisa, ou se leram somente “O
Menino e o Bruxo” sem saber do que se tratava, a leitura se tornará inviável.
Sendo assim, podemos
entrar no mérito de fazer-nos aquela pergunta pertinente: “Para quem estou
escrevendo? A quem desejo despertar interesse?”, e lembrar-nos de que a leitura
se torna um tanto melhor quando apresenta conteúdos que já temos certo
conhecimento e que a apropriação da língua culta para um nível de língua mais
próximo do leitor iniciante (ROTTAVA, 2000, p.15) não tira a essência de texto
algum. Acredito que mostrar adaptações
das obras clássicas, adaptações essas que transformam os textos maçantes em
leituras agradáveis para as crianças ou qualquer leitor iniciante, é uma ótima
forma de introduzir a literatura a elas e demonstrar que, não somente pessoas
letradas podem ler Machado de Assis (ou qualquer outro autor), mas que todas as
pessoas podem ter acesso a qualquer tipo de leitura.
Referências
ROTTAVA, L. A Importância da Leitura na Construção do Conhecimento. Espaços da
Escola, Ijuí, Editora UNIJUÍ, a. 9, n. 35, jan-mar. 2000, p.11-16.
ROTTAVA, L. “A
Leitura e a Escrita na Pesquisa e no Ensino”. Espaços da Escola, Ijuí,
Editora UNIJUÍ, a. 4, n. 27, jan-mar. 1998, p. 61-68.
KLEIMAN, Angela. Texto e Leitor: Aspectos Cognitivos
da Leitura. 4ª. Ed. Campinas,
SP: Pontes, 1995, p. 01-27.
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