Reescrita
Por Aluno 34
Uma leitura, ou seja, o processo de
formação e aprimoramento de um indivíduo que goste de ler constrói-se a partir
do conhecimento e da realidade vivenciada ao longo da vida. Tal aspecto pode
ser percebido pelo mesmo quando há motivação para conhecer livros em sua
infância, a partir de alguém influente ou qualquer fato que faça com que se
leia, e que seja propiciado de uma vontade própria. Pode ser por meio de um
familiar, amigo ou professor que incentive a leitura, um clássico infantil ou
adulto marcante, ou até um momento único, como conhecer uma biblioteca ou
livraria desconhecida. Isso leva a uma leitura relacionada aos seus propósitos,
vinculando-se a sua realidade e expectativas sociais de alguém que desfrute uma história por um longo tempo.
Pode-se admitir que o ato de ler em
minha vida apareceu a partir da minha realidade – infância, pessoas influentes,
momentos de leitura - e que hoje me denomino leitora pelo meu conhecimento de
mundo, intelectual e “de berço”: nasci rodeada de livros. Minha mãe era
professora de Língua Portuguesa e Literatura, então sempre fui acostumada a ter
uma biblioteca particular em casa.
Lembro-me do tempo em que eu era
criança, quando meus pais se separaram e tinha apenas cinco anos de idade. Hoje
sei o quanto isso foi ótimo de ter acontecido; o lado bom da situação foi que pude
aproximar-me da minha mãe e conhecê-la melhor do que talvez eu jamais previsse,
pois fomos viver em um apartamento de um dormitório, apenas nós duas. Todo esse
ocorrido, que aos olhos de muitos pode ser, de fato, triste para uma criança,
para mim foi ótimo, pois foi esse contato materno único - e até meio solitário
- que fez com que eu me aproximasse mais do ato de ler também.
De manhã, eu e ela íamos ao colégio,
instituição em que eu estudava e ela dava aulas para o Ensino Médio. Como
grande parte dos professores, suas tardes eram preenchidas de inúmeras provas e
trabalhos para corrigir, sendo necessário também um certo esforço de pensamento
para planejar uma aula criativa, dinâmica e que ensinasse os seus alunos de
modo cativante. Em meio a tais tardes, comecei a interessar-me por Literatura;
da maneira mais natural que se possa imaginar. Talvez eu até consiga afirmar
que tinha os meus seis ou sete anos; já estava apaixonada por essa arte e não
sabia.
Dizem os estudiosos que um dos
fatores da leitura é despertar o interesse através do questionamento. Foi assim
que iniciei a minha vocação: perguntando.
Almoçávamos ao chegar em casa depois
da escola e, logo em seguida, terminando a refeição, ela já pegava as inúmeras
atividades dos seus alunos e ia trabalhar. Ficava sentada na cozinha, sempre na
mesma cadeira, sem tirar os olhos do papel, nem para conferir as horas. Enquanto
isso, eu assistia desenhos na televisão, brincava com as bonecas e bagunçava a
sala inteira. Minha mãe ficava lá, num silêncio indiscutível. Eu tinha fome ao
decorrer da tarde, ia até a cozinha pegar algo para comer, minha mãe me ajudava
a preparar o meu lanche e rapidamente voltava às correções. Caso eu tivesse de
realizar as tarefas que recebia da escola, sentava ao lado dela e estudava em
silêncio.
Às vezes, a mudez era interrompida
com as minhas perguntas; observava algumas das provas, de notas maravilhosas ou
vermelhas, eu estava aprendendo a ler e já conseguia identificar o nome do
capítulo de um livro de teoria literária. Após isso, era hora de começar o
questionário:
- Mãe, quem é
esse tal de Gil Vicente? Ele já morreu? Por que Machado de Assis é tão famoso?
Qual é o nome daquele teu livro favorito mesmo? É “Noite na Caverna[1]”? O que a Lya Luft gosta
de escrever? Por que tu estás lendo um livro tão grande? Qual a história dele? Com
quantos anos eu posso ler esse tal de Policarpo
Quaresma?
Ela, calmamente, expondo todo o seu
amor materno e literário, interrompia as atividades e respondia o que eu queria
saber. Desta forma, questionando e escutando, aprendi a gostar de Literatura e,
além disso, explorar o meu gosto pela leitura. Não apenas no papel, mas no
ouvido também: à noite, antes de dormirmos, geralmente pedia a mesma história,
o clássico universal João e Maria. Ela contava, sem se cansar, pois sabia qual
era a minha maior expectativa diante deste conto: a descrição da casa de doces
da Bruxa, em que os irmãos ficariam posteriormente presos para virarem uma
refeição. Todas as noites, era como se fosse uma nova história: a casa de doces
nunca foi a mesma para mim. Queria que minha mãe descrevesse os detalhes de
portas, janelas, telhado, chaminé, tapete de entrada, paredes, maçanetas e
venezianas. Pirulitos, balas, chocolates, bolos, bolachas recheadas de todos os
sabores e marcas transformavam-se em materiais de construção e móveis.
Acredito que esse simples momento de
oralidade com a Literatura Clássica e as inúmeras caracterizações da casa de
doces que escutei auxiliaram-me a estimular a criatividade em criar as minhas
próprias histórias; meus contos, narrativas em quadrinhos, os primeiros poemas.
Hoje a escrita é um dos meus principais afazeres e dedicação; junto com as
palavras, necessito de uma leitura apaixonante e, ao mesmo tempo, crítica.
Tenho um prazer enorme em “devorar” livros e “fugir” da realidade, pois eu
creio que tal fuga seja a única maneira de compreender o mundo em que vivemos.
Conforme o texto de Rottava (2000):
“Ler e escrever
são praticamente indissociáveis, pois podem ser vistos como evento social, no
qual os leitores, do mesmo modo como escritores, compartilham pensamentos e
ideias e, particularmente, objetivos afins que os constituem também produtores
de conhecimentos.” (p. 14).
Hoje, vejo que a leitura me completa
e faz com que eu aprenda sobre a vida, que eu me conheça melhor e saiba lidar
com os outros. Como mostra a citação, aprendi a gostar de leitura e escrita de
forma unida, crendo que uma divisão prejudicaria todo o contexto de ler e criar
histórias, pois aprendi a escrever, encarar a realidade e todos os meus
problemas lendo o texto dos outros, tanto de forma sentimental quanto crítica. Complementando,
consigo ler pelo “conhecimento prévio” - como diz Kleiman (1989), sendo que
este é fundamental para atingir os objetivos de uma leitura, que é estimular e
formar o leitor. Tive o meu prévio saber a partir das inúmeras perguntas que
fazia a minha mãe – ressaltando a importância e influência familiar para a
formação do leitor - sem ter uma intenção e nem adivinhando que, futuramente,
as respostas seriam tão importantes para mim. Literatura, para mim, é amor, é o
meu trabalho, minha melhor amiga e, muitas vezes, o meu único consolo. Livros
conseguem falar comigo através de uma ficção: é a interpretação do real a partir
de um outro ângulo, fazendo com que eu entenda a vida – meu conhecimento prévio
de mundo - através de suas inúmeras perspectivas.
Por isso, considero o ato de ler como
uma releitura de nós mesmos, da criatividade, do mundo e precisa existir a
partir do que sabemos e devemos conhecer. Foi feita para todos, e o escritor
deve criar sem pensar na classe social que irá apreciar a obra. O livro quer
que qualquer pessoa que tenha curiosidade de conhecer o mundo viva-o sem
precisar sair do sofá.
REFRÊNCIAS:
KLEIMAN, A. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 4º ed. Campinas, SP: Pontos, 1995, p. 7-15.
KLEIMAN, A. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 4º ed. Campinas, SP: Pontos, 1995, p. 7-15.
ROTTAVA, L. A
importância da leitura na construção do conhecimento. Espaços da escola, Ijuí, Editora UNIJUÍ, a. 9 n. 35, jan-mar 2000,
p. 11-16
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