quinta-feira, 26 de junho de 2014

Memórias de uma Iniciação

Reescrita
Por Aluno 16



Por volta de meus 5 anos de idade, havia na minha casa um livro ilustrado que era fascinante. Lembro das ilustrações como se fosse hoje, folheava as páginas diversas vezes e a capa era o mais intrigante: nela, havia um grupo de adolescentes que lia o mesmo livro, o que causava uma espécie de imagem infinita, pois o mesmo livro implica na mesma imagem, a qual vai diminuindo infinitamente. Foi com esse livro que aprendi a ler e com a ajuda de minha mãe, que percebeu minha necessidade de compreendê-lo. O livro, por sinal, era exatamente para isso: ensinar crianças a ler. Não me recordo muito bem o nome, mas era algo como: O ABC da Criança. Nele apareciam as letras, as sílabas e algumas gravuras (geralmente de animais e objetos que começavam com a letra que iniciava a página) que auxiliavam na aprendizagem. A presença de minha mãe, quando ela me explicava como funcionava o livro, é algo que nunca vai sair de minha memória e é nesse momento de minha infância que percebo a necessidade de incentivo da família, como está dito no fragmento de Rottava, a qual cita que a família não deve deixar somente para a escola o papel de despertar, incentivar e motivar a leitura. (ROTTAVA, Lúcia. Leitura: “A Importância de Leitura na Construção do Conhecimento”, página 13).
            Mais velha, por volta de meus 10 anos, eu estava decidida que odiava ler. Isso porque os livros que a escola pedia eram chatos e complicados; ler se tornava um martírio todas as vezes que chegava a lista com as leituras obrigatórias do trimestre. Lembro de ter lido A Moreninha, O Cortiço e Dom Casmurro: detestei todos! Leitura difícil, sem contexto e principalmente obrigatória. Eu tinha que ler várias vezes o mesmo trecho para que pudesse compreendê-lo e não tinha um contato direto com a literatura para formular uma crítica textual. Isso porque
“... um dos muitos fatores envolvidos na dificuldade que um principiante encontra para chegar a ler fluentemente é que os textos que ele lê são muitas vezes difíceis demais para ele ...” (PERINI, m.a.: “Tópicos discursivos e a legibilidade dos textos”, 1980)
                Nesse momento de minha vida, se alguém me perguntasse se eu gostava de ler, a resposta seria a mais objetiva, direta e cortante: NÃO! A verdade é que os únicos instrumentos que eu considerava como leituras eram os livros, sejam os da escola, sejam os de história. Eu não sabia que ler o caderno Donna da Zero Hora de domingo, era uma leitura. Eu não sabia que ler os blogs de fanfics,também eram considerados leituras. Eu não sabia que assistir a um filme legendado, era outra forma de leitura. Eu não sabia!
“Há, aparentemente, duas situações de leitura que parecem não compor com este quadro: de um lado estão as leituras automáticas e pragmáticas – aquelas que se impõem à pessoa no espaço social para fazer as coisas da vida contemporânea numa sociedade normatizada, tais como deslocar-se, cuidar de si, controlar contas, realizar pequenas tarefas, manter relacionamento pessoal (bilhetes, cartas e e-mails e inserções em sites de relacionamento); de outro lado, aparecem as leituras, por assim dizer, obrigatórias, como as relativas às atividades profissionais e as de estudo. Enfim, supõe-se que o gesto de ler seja voluntario, desobrigado, ainda que “comprometido”, no sentido de que representa um investimento pessoal em algo importante. Por isso mesmo, a autonomia e a escolha são aspectos bastante valorizados. ” (BRITTO, Luiz Percival Leme. Leitura: acepções, sentidos e valor, p. 29).
                Foram dois anos mais tarde, no amigo secreto de natal da família, que me presentearam com um livro, um livro grosso (na minha visão), de capa sem graça e desestimulador. Tudo que eu pensava era: livro idiota, presente idiota, nunca vou lê-lo. Passados seis meses e servindo de calço para a estante da TV, eu havia resolvido abrir o livro. Não pense o leitor que era por vontade própria, a verdade é que as férias de julho chegaram e o modem da internet estava estragado, portanto, o tédio e a inércia eram meus novos amigos íntimos.
            O nome do livro era Crepúsculo, de Stephenie Meyer. Conforme eu o lia, ia me interessando mais pelos personagens, pelo enredo e pelo cenário. Fui criando imagens em minha mente e querendo saber cada vez mais daquela história. Quando percebi, estava tão apaixonada, tão interessada por aquele livro que sentar à mesa para comer era perda de tempo. Uma leitura tão fácil, um enredo tão envolvente e é claro: extremamente voltada para o grupo pré-adolescente. Segundo Rottava, a leitura deve provocar no leitor uma reação e isso permitirá que sejam emitidas opiniões, pois aceitar ou recusar um tema ou um assunto é, muitas vezes, o ponto de partida para a construção do conhecimento. (ROTTAVA, Lúcia. Leitura: “A Importância da Leitura na Construção do Conhecimento”, 2000).
            Com Crepúsculo pude evoluir minha leitura conforme minha idade; criei gosto pela literatura brasileira e adquiri um senso crítico, pois já não era um martírio as leituras obrigatórias da escola. Ainda não gosto de O Cortiço; no entanto, Dom Casmurro e A Moreninha são livros que adoro reler, pois agora essas obras são adequadas para minha idade e posso entender a visão do autor da época. Obrigar crianças a ler esse tipo de leitura mais complexa, é fruto de um ensino ditatorial, no qual todos devem conquistar um conhecimento prévio, mesmo sem serem apresentados a ele. Por fim, permito-me ressaltar que uma leitura como Crepúsculo, talvez mais curta, todavia com a mesma linguagem fácil, dinâmica e voltada para o jovem, seja o ideal para a iniciação literária na escola, pois assim o aluno é estimulado a conhecer novos caminhos e histórias diferentes. Vale ressaltar que o hábito de ler deve ser iniciado na infância pela família ou por pessoas próximas, para que a criança se sinta estimulada e incentivada.


Referências Bibliográficas:
BRITTO, Luiz Percival Leme. Leitura: “Acepções, sentidos e valor. In: Nuances: estudos sobre educação”, 2012.
ROTTAVA, Lúcia. Leitura: “A Importância da Leitura na Construção do Conhecimento”, 2000.

PERINI, m.a. Leitura: “Tópicos discursivos e a legibilidade dos textos”, 1980.

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