Reescrita
Por Aluno 1
Minha
experiência com a leitura começou bem cedo, quando eu tinha mais ou menos seis
anos de idade. Não era exatamente a ideia de leitura que tenho hoje, mas a
considero porque foi aquele início que, tempo depois, despertaria a minha
curiosidade pelos livros.
Naquela
época, minha mãe contava para mim e para minha irmã histórias antes de dormirmos,
aquelas de princesas e finais felizes. Minha mãe sempre me incentivou a ter
interesse por histórias de qualquer gênero, assim, quando fosse grande demais
para ouvir histórias antes de dormir, poderia buscá-las em outro lugar. Esse
outro lugar seria os livros.
Lembro
de uma noite em que estava no quarto dos meus pais com eles, os dois estavam
lendo e eu decidi que também queria ler. Peguei o primeiro livro que vi na
estante da minha mãe. Para mim, que era pequena, aquele livro pareceu enorme, o
nome dele era Crianças do Além de
Chico Xavier. Considero aquele o meu primeiro livro “grande”, embora hoje saiba
que ele não é tão grande assim.
Eu
não fazia ideia de que estava lendo um livro espírita, sequer sabia o que era
um livro espírita. Tampouco lembro o que meus pais me disseram sobre aquele
livro, se disseram alguma coisa. Só sei que, após terminar a leitura, me senti
vitoriosa e queria ler mais livros.
Gostaria
de salientar, sobretudo, a importância que meus pais tiveram nesse início da
vida como leitora. Eles me incentivaram não de forma forçada, mas sutilmente:
sentando comigo para fazer os temas da escola, contando-me histórias, lendo na
minha frente para eu ver que é uma atividade normal e saudável.
É
interessante que em Rottava (2000) esse é um tópico trabalhado: não deixar
apenas para a escola a tarefa de despertar e incentivar o interesse pela
leitura, e sim, os pais estarem conscientes de que esse é um trabalho deles
também. Nesse aspecto, meus pais nunca falharam e devo a eles, mais do que a
escola, o meu gosto por tal atividade.
Os
livros que li a seguir não consigo me recordar. Lembro que em determinado
momento tive que ler para a escola O
Fantástico Mistério de Feiurinha de Pedro Bandeira. Era um teatro, e eu o
li com tamanha voracidade que o terminei em um dia. Mais tarde, a história
viria a ser um filme estrelado pela Xuxa, não quis assisti-lo para não estragar
a ideia que eu tinha do livro.
Sinto
essa sensação com os dois livros: não quero relê-los e nem quero ver o filme da
Xuxa, porque em minha mente tenho a ideia de terem sido maravilhosos e se eu os
ler outra vez, agora mais velha, provavelmente, irei achá-los toscos. Tenho
apenas flashbacks das histórias e, às
vezes, não sei mais se eles são realmente o que estava escrito ou se já começo
a imaginar algo que eu quero lembrar. Provavelmente, deve ser os dois.
A
leitura que realizei naquele tempo e que me encantou pode se incluir no
contexto de leitura como prática social, feita em determinado contexto, com
determinados interesses, onde o leitor tem seus próprios propósitos ao se
dedicar para leitura, relacionados às experiências do leitor como sujeito
participante de uma cultura ou de um meio social (ROTTAVA, 2012). Aquelas
minhas leituras que pareceram tão maravilhosas, hoje podem ser vistas com
outros olhos. Primeiro, porque eu, como leitora, mudei meus interesses, e
segundo, porque o contexto social ao qual estou inserida também mudou.
Devo
ter lido mais alguns livros nesse meio tempo, mas não me recordo. O próximo
livro a despertar interesse pela leitura foi um de Paulo Coelho, a pedido da
professora de português da escola. O mais incrível é que aquela foi a única
profissional da área que pediu para os alunos lerem Paulo Coelho. Eu acho que
estava na sexta série do Ensino Fundamental. Li três obras do autor e as deixei
de lado para partir para novas leituras.
Hoje,
ouço com muita frequência críticas ao autor. Não reli os livros para saber se
são assim tão ruins, mas a crítica me influenciou a pensar que sim, Paulo
Coelho é ruim. Um dia perguntei o porquê a uma amiga que também alegava a má
qualidade das obras de Paulo Coelho, e ela me respondeu: é uma leitura muito
fácil, por isso é ruim. Perdi a chance de perguntar a ela por que uma leitura
fácil seria ruim. Aquela explicação não fez muito sentido para mim, e ninguém
me deu uma melhor, então dei o assunto por encerrado.
Por
isso creio que não é exatamente o porquê de Paulo Coelho ser ruim que mudou a
minha ideia sobre ele, mas sim as repetições dessa afirmação. E, somado a isso,
a forma com que as pessoas ficavam espantadas quando eu comentava que li
diversos livros dele, geralmente essas eram as reações delas: “como você
consegue? É tão ruim!”; “Nossa! sério? Que podre”; “do Paulo Coelho? Nossa!”.
Eu não precisava nem citar ter lido os livros, os próprios professores em aula
os usavam como exemplo de texto “mal escrito”.
Contudo,
ele tem um significado na minha trajetória com a leitura, porque a partir de
então comecei realmente a ter um convívio mais frequente com os livros. E essas
diversas críticas ao autor e ao seu texto me causam, diferentemente dos outros
dois livros citados, curiosidade em reler. Preciso fazê-lo agora com os olhos
críticos de alguém que já leu mais do que um livro espírita e teatro
infanto-juvenil.
Ao
mesmo tempo em que essa curiosidade pela releitura das obras de Paulo Coelho,
pode ser justificada pela ideia a seguir:
“Ler é também desempenhar uma tarefa
comunicativa com o propósito real. O propósito real é determinado socialmente
pelas necessidades de leitura que os aprendizes deparam.” (ROTTAVA, 1998; p. 62)
Dessa
forma, a releitura agora seria movida por um novo propósito, onde eu
desempenharia uma tarefa comunicativa com ele, que seria buscar e entender os
defeitos da obra daquele autor.
De fato, a leitura aconteceu em minha vida
desde muito cedo. Lia as imagens que via em livros infantis e nos desenhos
animados, lia a cena de minha mãe estar contando histórias para mim. Mas essas
leituras perdem um pouco do valor na sociedade, segundo Britto (2012) apenas
leituras de livros e de conteúdos que estão além daquelas que praticamos no dia
a dia que são consideradas construtivas para um leitor.
Acredito
que esse pensamento é totalmente desestimulante aos futuros leitores, pois os
faz crer que ler é apenas ler textos extensos e chatos. Aqui, retomamos o
conceito de leitura como prática social, pois, dessa forma, a criança perceberá
aos poucos, conforme toma maturidade, que tipo de leitura lhe agrada. Essa
prática deve ser considerada como uma escada, em que se deve subir um degrau de
cada vez.
Confesso
que até entrar na graduação e trabalhar com esses conceitos não possuía noção
de estímulo à leitura. Na verdade, um leitor não se tornará um bom leitor se
ler por obrigação, a obrigatoriedade torna as coisas tediosas, mas sim, deve-se
mostrar a criança possibilidades de leitura, que ela escolherá de acordo com
suas vontades.
Olhando
por esse lado, percebo que meus pais fizeram isso comigo durante toda a minha
infância. Nunca me forçaram a ler nada que eu não tivesse interesse, mas sim, de
forma sutil, como eu disse anteriormente. Aos poucos comecei a imitá-los, por
exemplo, meu pai costumava ler jornal, eu o via lendo e isso despertou vontade
de ler aquilo também. Minha mãe sempre gostou de romances, eu a via lendo –
achava, na verdade, os títulos desinteressantes –, mas vê-la lendo, me fez
despertar também interesse por romances, não os mesmos que os dela, mas outros
títulos e outros autores.
Fui
criando meus próprios interesses através da minha livre escolha de leitura, e
assim fazendo-a cada vez mais frequente em minha vida. Até que então, ainda
nova demais para compreender, atingi um tipo de leitura que estava um pouco
fora do meu alcance de entendimento: parti para o primeiro livro de filosofia,
peguei-o na instante de meu pai.
Ora,
meu pai disse que aquele livro era bom, por que não acreditar? Nos primeiros
capítulos, parei. Ficou ali, na minha cabeceira, uns dois meses sem que eu o
tocasse. O nome da obra era Zen e a arte
da manutenção de motocicletas de Robert M. Pirsig.
Passado
um tempo, tive que enfrentar a fera. Recomecei a leitura, e, dessa vez, fui até
o fim. Percebi, então, que ler vai além de um passatempo. Ler é, sobretudo,
adquirir conhecimentos e pensamento crítico. Até aquele momento, não pensava em
leitura como construção de pensamento crítico, e isso mudou completamente a
minha ideia de leitura e do que gostaria de ler.
O
sentimento que tive ao terminar de ler Zen
e a arte da manutenção de motocicletas foi de uma nova visão de vida: ser
mais curiosa e buscar entender as coisas, ao invés de negá-las por simplesmente
achar que são tediosas. Isso quem me ensinou não foi a leitura, mas sim o
próprio livro. Era essa a mensagem que ele tinha no seu texto. E, ao terminar, entendi,
e isso passou a tornar o livro interessante. Eu considero esse entendimento
final de algum texto como o responsável pela formação do pensamento crítico. É
quando percebemos que há algo a mais naquela leitura, e, mais que isso,
conseguimos perceber o que é esse algo a mais e pensar a respeito dele.
Depois
disso, passei a gostar mais de leituras que me trazem essa compreensão ao final
do que daquelas que não me trazem nada. Preciso de um esforço, é claro, não é
uma leitura fácil, mas quando fecho o livro, dou aquele suspiro e fico
saboreando o gostinho daquilo que li, procurando juntar os sentidos para
entender o que aquelas folhas tentaram me dizer. E, ao compreender,
experimentar a sensação de vitória: eu consegui!
Obviamente,
esse tipo de leitura não se tornou o único, contos e romances leves ainda se
fazem muito presentes. Histórias de Paris
de Mario Benedetti são meus contos favoritos e olho para aquele livro, fininho
e leve na estante todos os dias, esperando ansiosamente para relê-los e sim,
encontrar sentido. Porque afinal, todo texto tem um sentido, nem que seja
apenas divertir.
REFERÊNCIAS
BRITTO,
Luiz P. L.; Leitura: acepções, sentido e
valor In Nuances: estudos sobre Educação; v. 21. n. 22; p. 18-22; 2012
ROTTAVA,
Lucia; Leitura e Escrita na Pesquisa e
no Ensino In Espaço da Escola; n. 26; p. 61-68; 1998
ROTTAVA,
Lucia; A Importância da Leitura na
Construção de Conhecimento In Espaço da Escola; n. 35; p. 11-16; 2000
ROTTAVA,
Lucia; A leitura em contexto acadêmico:
o processo de construção de sentidos de alunos do primeiro semestre do curso de
letras In Signo; v. 37 n.63, p. 160-179, 2012.
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