domingo, 29 de junho de 2014

Leitura: Do colorido prazer à necessidade

1ª Versão
Por Aluno 43


            Quando criança, eu não vi a tarefa escolar de aprender as letrinhas e os seus sons como enfadonha ou entediante, ou algo que poderia parecer repetitivo por parte das professoras. Pelo contrário: quis poder entender o mais rápido possível aquele código aparentemente indecifrável que meus pais compreendiam; ansiei por aprender a ler. Deste modo, encarei as letras e as palavras como amigas a serem conquistadas, de modo que não fossem apenas desenhos. Lembro de responder empolgadamente à professora da pré-escola o som que cada letrinha fazia; eu estava impaciente para finalmente decifrar aqueles símbolos que pareciam mágicos!
            Segundo Britto (2012), as ações básicas de ler são a decifração do escrito e a compreensão do conteúdo do texto. Aos cinco anos, eu estava começando a tornar-me apta para realizar essas ações: finalmente eu entendera a lógica das letras e conseguia decodificá-las (isto é, entender os sons produzidos por aqueles signos, e consequentemente, seu significado). Quando as tais letras do alfabeto ganharam sentido para mim, o mundo ficou mais doce: passei a escrever num diário cor-de-rosa e podia ler os livros que a professora lia para turma. Meu preferido era um de poesia: A Casa Sonolenta, de Audrey Wood, que contava a história de uma casa onde todos dormiam até serem atrapalhados por uma pulguinha.
            A partir daí, foi fácil para que eu criasse gosto por ler. Rottava (2000) afirma que a leitura como prática social “é uma leitura que envolve o propósito de que ler é utilizar-se da linguagem para determinado objetivo, bem como para alguém e em certas circunstâncias”. Meu objetivo inicial de leitora era o prazer e a descoberta, como antes falei, e isso trouxe facilidade ao começo da minha caminhada na leitura, pois não me importava em ter que ler. O incentivo dado neste quesito pelas professoras era entrelaçado a uma obrigação por elas imposta, mas eu não percebia isto. “Vocês têm que retirar um livro na biblioteca, toda semana!” podia parecer, às vezes, uma ordem desnecessária a mente de uma criança, mas geralmente era por mim encarada com deleite. A biblioteca do colégio era um lugar colorido, com almofadas aconchegantes e prateleiras cheias: um mundo cheio de maravilhosos livros esperando para serem desfrutados.
            Minhas pequenas mãozinhas de criança e meus olhos curiosos selecionavam os livros e, assim, fui encarando diversas leituras infantis, passando a conhecer alguns tipos textuais, suas estruturas e formas de discurso a mim apresentados. Isso foi acrescentando saber ao meu conhecimento textual, que faz parte do conhecimento prévio sobre o qual Kleiman (1995) fala. Se antes eu estava habituada a historinhas cheias de cores e animais fofos, como Ninoca, uma ratinha que vivia numa casa de dobraduras, ou Os Pingos, ratos pintados que residiam numa floresta, agora eu havia entrado num novo terreno. A coleção Salve-se Quem Puder era composta de livros de mistério com diversos enigmas a serem resolvidos; o leitor precisava estar extremamente atento a cada página e imagem. Também a poesia continuou a me encantar: A Caixa Mágica de Surpresa, de Elias José, brincava com divertidos elementos como piratas, animais, objetos, uma vovó e até um arco-íris, tudo dentro de poemas.
            Conforme avancei no Ensino Fundamental, me afastei do campo infantil e fui iniciada, através da escola e de amigos, na literatura infanto-juvenil. Agora os livros refletiam meus conflitos de pré-adolescente, e eu me espelhava nas protagonistas das aventuras. Eram textos divertidos: Judy Moody, de Megan McDonald, por exemplo, contava a história de uma menina da terceira série um pouco rebelde e deslocada. Também li O Diário da Princesa, de Meg Cabot, que dizia respeito a uma garota norte-americana comum que, de um dia para o outro, descobria ser uma princesa. Ainda me apaixonei por A Princesinha, de Frances Burnett, livro sobre uma menina abastada que acaba perdendo o pai e toda sua riqueza. Muitos outros títulos também regaram essa minha fase. Estas leituras estavam, sem que eu percebesse, ensinando-me a respeito dos recursos textuais, como a ironia de Judy Moody, a presença de um duplo texto em O Diário da Princesa (onde, no meio do livro, havia rabiscos matemáticos da protagonista Mia) e outras características narrativas.
            A partir da sexta série, também, minha professora de português optou por fazer trabalhos com as turmas abordando diferentes gêneros textuais: poesias, publicidades, poemas visuais, receitas, crônicas, notícias, cartas, diários e entre outros. Percebo hoje o quanto isso contribui para que eu tivesse maior facilidade na leitura nos diferentes contextos do dia-a-dia. Como afirmou Kleiman (1995): “Quanto mais conhecimento textual o leitor tiver, quanto mais sua exposição a todo o tipo de texto, mais fácil será sua compreensão, [...] pois o conhecimento das estruturas textuais e de todo tipo de discurso determinará, em grande medida, suas expectativas em relação aos textos”. Minha mente, hoje, pode lidar com certa facilidade com diversos tipos de estrutura.
            Por fim, chegando quase ao Ensino Médio, debrucei-me na leitura de Senhor dos Anéis, As Crônicas de Nárnia, Dom Casmurro e outras obras. Foi a partir do primeiro ano que passei a buscar obras de maior conteúdo histórico. Minha curiosidade, então, voltou-se para as questões culturais do mundo, e não somente para a busca pela identificação com um personagem ou o entendimento das palavras. Li livros sobre cultura muçulmana (Prisioneira em Teerã; O Caçador de Pipas; O Livreiro de Cabul), nazismo (Olga; O Refúgio Secreto) e ainda sobre cultura oriental. Estava cada vez mais engajada naquilo que Kleiman fala sobre “fazer da leitura uma atividade caracterizada pelo engajamento e uso do conhecimento, em vez de uma mera recepção passiva.” Meu senso tornou-se cada vez mais crítico, e cada nova bagagem de conhecimento que eu adquiria servia para dialogar com as anteriores.
            Meus objetivos de leitura foram, em sua maioria, modificando-se durante o Ensino Médio: a leitura passou a ser dirigida à aprovação em testes escolares. Minha interação com o texto tornou-se mais perceptível. Segundo Rottava (1998), é justamente essa interação que dá sentido ao texto. Precisei lidar cada vez mais com textos informativos, devido aos estudos relacionados ao vestibular e pesquisas do colégio; tinha que selecionar partes do texto e literalmente discuti-las em minha cabeça. Quanto às leituras obrigatórias de Literatura e Português, necessitei estar cada vez mais ciente da trama, dos aspectos lingüísticos e abordagem histórica dos livros, pois todos estes pontos caíam em provas.
            A leitura, nos dias de hoje, não se apresenta mais tão colorida ou idealizada para mim. Ela é uma necessidade. Ler (não somente decifrar os signos, mas também compreender o conteúdo textual) é essencial na grande parte do mundo profissional, mas, para quem cursa uma graduação, como eu, torna-se um instrumento indispensável para o aprendizado, com tanto material escrito a ser pesquisado e estudado. Talvez, mesmo que de uma forma diferente, ler ainda seja um meio de saciar a curiosidade, mas o mundo adulto a fez perder suas cores.
Sei que a minha mente, em algum lugar remoto dentro de si, ainda acredita nas palavras do poema tão amado em minha infância, Caixa Mágica de Surpresa, de Elias José: “Um livro / é uma beleza, / É caixa mágica / só de surpresa. / Um livro / parece mudo, / mas nele a gente / descobre tudo.”



REFERÊNCIAS

 ROTTAVA, Lucia. A Leitura e a Escrita na Pesquisa e no Ensino. In: Espaços da Escola, Editora Unijuí, Ijuí, ano 4, n. 27, p.61-68, janeiro/março, 1998.
 ROTTAVA, Lucia. Importância da Leitura na Construção do Conhecimento. Espaços da Escola, Editora Unijuí, Ijuí, n. 35, ano 9, p.11-16, janeiro/março, 2000.
KLEIMAN, Angela. Texto e Leitor: Aspectos Cognitivos da Leitura. 4. ed. Campinas - Sp: Pontes Editores, 1995.

BRITTO, Luiz Percival Leme. LEITURA: ACEPÇÕES, SENTIDOS E VALOR. Nuances: estudos sobre Educação. Ano XVIII, v. 21, n. 22, p. 18-32, jan./abr. 2012.

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