terça-feira, 24 de junho de 2014

Anne e eu

Reescrita
Por Aluno 27


A leitura é e sempre foi parte de minha vida. Desde meus pequenos cinco anos, quando inventava as histórias conforme as imagens do livro até devorar as enciclopédias de meu pai e após saciar-me delas, desejar mais e mais. Ele e minha mãe sempre me incentivaram a ler muito, me presenteando livros e mais livros, enchendo as prateleiras das mais variadas histórias. Este incentivo foi essencial para meu crescimento enquanto leitora, pois como afirma Rottava em seu texto “A Importância da Leitura na Construção do Conhecimento”,

“[...] a família também não deve deixar somente para a escola o papel de despertar, incentivar e motivar a leitura. Grande parte dessa responsabilidade é também dos pais, que devem proporcionar aos seus filhos o acesso às publicações e incentivá-los à leitura.” (ROTTAVA, 2000, p. 13)

Aos oito anos, eu comecei, em minha vã inocência inspirada por Mário Quintana, a escrever poesias. Hoje as leio e vejo o quanto retratam o que eu era: uma menina de oito anos que amava ler. Mario Quintana, ainda não me recordo bem como, me apresentou Érico Veríssimo. Este, me apresentou um certo Capitão Rodrigo, que no auge de meus nove anos, causou um certo rebuliço em minha mente fértil. Hoje penso se aquela visão da relação dele com Bibiana não afetou todos os meus relacionamentos na vida, mas já concluo que é auto análise demais para um texto só. De qualquer forma, foi mais ou menos neste período, em meio às leituras vorazes de textos históricos, da vida dos Terra e dos Quintanares, que conheci minha amiga Anne Frank. Ouvi falar sobre o diário dela quando lia sobre relatos do Holocausto. Pedi a meu pai que me desse o livro, pois estava muito curiosa. No Natal daquele ano, o ganhei. Lembro de ter começado a ler na mesma noite, após a sobremesa. A cada página, era como se Anne falasse comigo, como se eu fosse sua Kitty e fôssemos duas amigas conversando em um espaço e tempo diversos.
Em minhas muitas leituras do livro, cresci junto com Anne. Ela, que começou a escrever seu diário aos treze anos (no ano de 1942) e foi interrompida em agosto de 1944, tinha em comum comigo muito mais do que a proximidade de idade; nós duas éramos leitoras ávidas e encontramos nisso uma maneira de nos refugiarmos no mundo que nos cercava. Anne tentava, em meio a seus livros e manuais de aprender a fazer isso e aquilo ou aprender uma língua nova, fugir do Anexo Secreto, o sótão em que vivia com outras famílias. Escondidos do nazismo alemão que assolava a Europa , a menina judia relatava seu cotidiano para sua confidente, Kitty. Eu, muitas décadas a frente, me apegava às palavras dela e construía em mim algo que perdurará até o fim de minha vida. Ler de uma forma tão singela e honesta a realidade que Anne vivia me fez questionar muito do que eu via em meu mundo. Cada relato, tantas vezes lido e relido, ao longo dos anos, influenciou minhas escolhas e a formação do meu eu. Neste sentido, minha leitura pode ser considerada, segundo Britto, uma

“[...] prática social circunstanciada, favorecendo o alargamento do espírito e ]das possibilidades de atuação e intervenção na sociedade. [...] Disso se pode concluir que promover a leitura seria promover uma forma de pertencimento crítico ao mundo. Um valor, portanto. Um valor que carrega um princípio de humanidade e que implica, mais que o simples hábito, uma atitude.” (BRITTO, 2012, p. 30)

Esta relação torna-se visível quando penso em minhas duas primeiras opções para cursar na universidade: História e Letras. História cursei por dois anos e sentia que algo faltava. Após caminhos tortuosos, me encontrei no curso de Letras, onde pude reunir minha paixão pela Literatura com a História, buscando refletir sobre algo produzido em tal período e como as circunstâncias sociais e históricas daquela época influenciaram o eu-lírico representado. Hoje sei que Anne Frank fora essencial para cada pedaço desta trajetória. Talvez eu houvesse me interessado por coisas parecidas, mas jamais seriam as mesmas. Após a leitura de seu diário, acabei por percorrer textos de Dickens, Shakespeare, Faulkner, Homero, Joyce e meu preferido, Hemingway. Este crescimento se faz até hoje, quando descubro um novo texto, com uma nova história para me seduzir. Com a influência de Anne (e o incentivo de meu pai), acabei por me tornar uma aficcionada por qualquer obra literária que envolva a Segunda Guerra Mundial e seus personagens.
Anne, até hoje, é como uma amiga para mim. Hoje não mais escrevo tão frequentemente, mas sempre que o faço, lembro-me dela. Anne achava que seus escritos jamais seriam lidos por outra pessoa e que “mais tarde ninguém se interessará, nem mesmo eu, pelos pensamentos de uma garota de treze anos” (FRANK, 2007, p. 16). Apesar de concordar com ela em inúmeras coisas, nesta discordo: assim como eu, muitas outras meninas e meninos interessaram-se pelo que ela tinha a dizer e assim como a mim, tenho certeza de que Anne mudou a vida de muitas pessoas, fazendo delas seres humanos mais críticos e reflexivos sobre as circunstâncias do mundo que os cerca.

Referências Bibliográficas:

BRITTO, Luiz Percival Leme. Leitura: Acepções, Sentidos e valor. Nuances: estudos sobre Educação, Ano XVIII, v. 21, n. 22, p. 18-32, jan./abr. 2012.
FRANK, Anne. O Diário de Anne Frank. Rio de Janeiro: Record, 2007, 357 p.
ROTTAVA, Lucia. A Importância da Leitura na Construção do Conhecimento. Espaços da Escola, Ijuí/RS, v. 35, n. 1, p. 11-16, 2000.


Nenhum comentário:

Postar um comentário