Reescrita
Por Aluno 27
A
leitura é e sempre foi parte de minha vida. Desde meus pequenos cinco anos,
quando inventava as histórias conforme as imagens do livro até devorar as
enciclopédias de meu pai e após saciar-me delas, desejar mais e mais. Ele e
minha mãe sempre me incentivaram a ler muito, me presenteando livros e mais
livros, enchendo as prateleiras das mais variadas histórias. Este incentivo foi
essencial para meu crescimento enquanto leitora, pois como afirma Rottava em
seu texto “A Importância da Leitura na Construção do Conhecimento”,
“[...]
a família também não deve deixar somente para a escola o papel de despertar,
incentivar e motivar a leitura. Grande parte dessa responsabilidade é também
dos pais, que devem proporcionar aos seus filhos o acesso às publicações e
incentivá-los à leitura.” (ROTTAVA, 2000, p. 13)
Aos
oito anos, eu comecei, em minha vã inocência inspirada por Mário Quintana, a
escrever poesias. Hoje as leio e vejo o quanto retratam o que eu era: uma
menina de oito anos que amava ler. Mario Quintana, ainda não me recordo bem
como, me apresentou Érico Veríssimo. Este, me apresentou um certo Capitão
Rodrigo, que no auge de meus nove anos, causou um certo rebuliço em minha mente
fértil. Hoje penso se aquela visão da relação dele com Bibiana não afetou todos
os meus relacionamentos na vida, mas já concluo que é auto análise demais para
um texto só. De qualquer forma, foi mais ou menos neste período, em meio às
leituras vorazes de textos históricos, da vida dos Terra e dos Quintanares, que
conheci minha amiga Anne Frank. Ouvi falar sobre o diário dela quando lia sobre
relatos do Holocausto. Pedi a meu pai que me desse o livro, pois estava muito
curiosa. No Natal daquele ano, o ganhei. Lembro de ter começado a ler na mesma
noite, após a sobremesa. A cada página, era como se Anne falasse comigo, como
se eu fosse sua Kitty e fôssemos duas amigas conversando em um espaço e tempo
diversos.
Em
minhas muitas leituras do livro, cresci junto com Anne. Ela, que começou a
escrever seu diário aos treze anos (no ano de 1942) e foi interrompida em
agosto de 1944, tinha em comum comigo muito mais do que a proximidade de idade;
nós duas éramos leitoras ávidas e encontramos nisso uma maneira de nos
refugiarmos no mundo que nos cercava. Anne tentava, em meio a seus livros e
manuais de aprender a fazer isso e aquilo ou aprender uma língua nova, fugir do
Anexo Secreto, o sótão em que vivia com outras famílias. Escondidos do nazismo
alemão que assolava a Europa , a menina judia relatava seu cotidiano para sua
confidente, Kitty. Eu, muitas décadas a frente, me apegava às palavras dela e
construía em mim algo que perdurará até o fim de minha vida. Ler de uma forma
tão singela e honesta a realidade que Anne vivia me fez questionar muito do que
eu via em meu mundo. Cada relato, tantas vezes lido e relido, ao longo dos
anos, influenciou minhas escolhas e a formação do meu eu. Neste sentido, minha
leitura pode ser considerada, segundo Britto, uma
“[...]
prática social circunstanciada, favorecendo o
alargamento do espírito e ]das possibilidades de atuação e intervenção na
sociedade. [...] Disso se pode concluir que promover a leitura seria promover
uma forma de pertencimento crítico ao mundo. Um valor, portanto. Um valor que
carrega um princípio de humanidade e que implica, mais que o simples hábito,
uma atitude.” (BRITTO, 2012, p. 30)
Esta
relação torna-se visível quando penso em minhas duas primeiras opções para
cursar na universidade: História e Letras. História cursei por dois anos e
sentia que algo faltava. Após caminhos tortuosos, me encontrei no curso de
Letras, onde pude reunir minha paixão pela Literatura com a História, buscando
refletir sobre algo produzido em tal período e como as circunstâncias sociais e
históricas daquela época influenciaram o eu-lírico representado. Hoje sei que
Anne Frank fora essencial para cada pedaço desta trajetória. Talvez eu houvesse
me interessado por coisas parecidas, mas jamais seriam as mesmas. Após a
leitura de seu diário, acabei por percorrer textos de Dickens, Shakespeare,
Faulkner, Homero, Joyce e meu preferido, Hemingway. Este crescimento se faz até
hoje, quando descubro um novo texto, com uma nova história para me seduzir. Com
a influência de Anne (e o incentivo de meu pai), acabei por me tornar uma aficcionada
por qualquer obra literária que envolva a Segunda Guerra Mundial e seus
personagens.
Anne,
até hoje, é como uma amiga para mim. Hoje não mais escrevo tão frequentemente,
mas sempre que o faço, lembro-me dela. Anne achava que seus escritos jamais
seriam lidos por outra pessoa e que “mais tarde ninguém se interessará, nem
mesmo eu, pelos pensamentos de uma garota de treze anos” (FRANK, 2007, p. 16).
Apesar de concordar com ela em inúmeras coisas, nesta discordo: assim como eu,
muitas outras meninas e meninos interessaram-se pelo que ela tinha a dizer e
assim como a mim, tenho certeza de que Anne mudou a vida de muitas pessoas,
fazendo delas seres humanos mais críticos e reflexivos sobre as circunstâncias
do mundo que os cerca.
Referências Bibliográficas:
BRITTO, Luiz
Percival Leme. Leitura:
Acepções, Sentidos e valor. Nuances: estudos sobre Educação, Ano
XVIII, v. 21, n. 22, p. 18-32, jan./abr. 2012.
FRANK,
Anne. O Diário de Anne Frank. Rio de
Janeiro: Record, 2007, 357 p.
ROTTAVA,
Lucia. A Importância da Leitura na
Construção do Conhecimento. Espaços da Escola, Ijuí/RS, v. 35, n. 1, p.
11-16, 2000.
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