1ª
Versão
Por Aluno 39
Sentada
aqui, em meu aconchegante sofá abraçada por cobertas e mantas, lendo As Viagens
de Gulliver lembro-me da primeira vez que li um livro. Era um gibi da Turma da
Mônica, nossa como ele era engraçado. Mesmo que eu não pudesse ainda
decodificar aquela multidão de letras agrupadas em linhas retas próximas aos
desenhos que eu tanto admirava, mesmo assim, eu ainda me divertia muito lendo
aquelas figuras. Ninguém precisava me dizer para acordar as seis e meia da
manha e pegar um daqueles gibis para brincar junto com seus personagens. Eu
apenas o fazia. O mais engraçado é que eu tinha certeza que assim que pudesse
entender o que aqueles símbolos, que me disseram serem letras, queriam dizer eu
ia me divertir muito mais com meus amigos de papel. Eis a graça, não foi bem
assim que aconteceu.
Já na primeira série eu era capaz de entender o que
aqueles símbolos queriam me dizer. Ou como minha professora diria, eu sabia
ler. O problema é que nunca gostei muito dos textinhos que minha professora
trazia para lermos, não havia imagens, não havia amigos de papel e as histórias
nunca eram divertidas. Eram, sei lá, pra eu aprender a me comportar e ser
educada. Resumindo, eram muito chatas. Hoje entendo melhor a falha das minhas
primeiras professoras. Elas me julgavam ser um papel em branco, nunca consideraram
o fato de eu já ler antes da escola, não se importaram com o que me agradava.
Seus objetivos eram somente fazer daquele bando de crianças pessoas
alfabetizadas, sim alfabetizadas e não letradas. Alfabetizar um aluno é
simplesmente treiná-lo a decodificar o que aqueles símbolos postos de maneira a
forma palavras representam, enquanto formá-los leitores envolve garantir que
esses cultivem e exerçam a prática de leitura (ROTTAVA, 2000). Por fim, entrei
na primeira série letrada e sai alfabetizada.
A partir daí, meus hábitos com leitura foram bem
precários. Eu só lia com o intuito de aprender algo com o texto, algo prático,
algo que o texto dissesse e todos nós, alunos, entendêssemos a mesma coisa. O
que sabíamos, o que já tivéssemos lido antes ou mesmo vivido, nada disso
importava. O importante era que o enunciado dizia “complete com s, ss, c, ç” e
sem importar contexto algum, eu completava aquele texto todo cheio de lacunas.
Pois estava eu, assim como explica Rottava, 1998, vivendo o ensino dos anos 60.
Quando decodificar era a única importância atribuída a um texto, o que está
escrito é entendido da mesma forma por todos, pois o texto é a única fonte de
conhecimento em uma leitura. Nossa! Já era o ano de 2001 e eu aprendia a ler
como se estivesse vivendo em mil novecentos cinquenta e alguma coisa.
Não é de se duvidar que eu fiquei profundamente
desanimada com esse estilo de “leitura” que me foi passado por algum tempo,
logo, eu não lia mais nem os meus gibis. Mas como creio que meu leitor
suspeite, em algum momento isso mudou. Eu já estava indo para a terceira série
quando, ao mudar de cidade, mudei de colégio. Lá, no novo colégio, eu esperava
ter as mesmas aulas, o mesmo ritmo, enfim, esperava que só mudasse o nome da
escola. Mas, para a minha alegria, eu estava muito engada. Foi em uma aula de
português que minha professora nos lançou a seguinte tarefa: “agora vocês irão
até a biblioteca do segundo andar e cada um vai escolher um livro”. A tarefa me
parecia parecida com a do colégio antigo, eu esperava que fosse ter de
continuar decodificando. A professora, porém, nos deu um prazo para lermos o
livro e não nos pediu nenhuma tarefa sobre o livro. Pois bem, o prazo expirou e
eu havia lido todo o meu livrinho que, para minha surpresa, me proporcionou
novos amiguinhos de papel. E quando cheguei na aula ela simplesmente pediu que
contássemos a história que tínhamos lido e disséssemos o que havíamos achado de
toda a história, se gostamos ou não e por que.
O
que minha professora fez foi permitir que eu interagisse com o texto, me
proporcionando construção de sentido.
“Do ponto de visto do ensino, a
leitura como processo interativo significa que a construção de sentido é
resultante dos diferentes modos de processamento assumidos pelo leitor. Em
outras palavras, o leitor interage com o texto de várias maneiras: através dos
níveis da língua no interior do próprio texto, das relações com outros textos,
das experiências, com proposito do leitor e do seu papel social e do contexto
em que o texto foi produzido.”
(Rottava, 1998,
p.62)
Isso
tudo quer dizer que dessa vez, ao contrário do que me aconteceu antes, eu me
tornei um fator importante para a compreensão do texto. Eu e o texto
construímos um significado juntos. Cada colega meu poderia ter tido ideias
diferentes da história, poderiam ter gostado ou não do livro.
Essa experiência de leitura que tive na terceira série me
despertou, novamente, o gosto pela leitura. Durante todo aquele ano tivemos
outras poucas atividades como essa, mas mesmo assim eu continuava pegando
livros quase toda semana na biblioteca do segundo andar. Não posso dizer que
todos os anos tive a sorte de encontrar professores como essa. Tive outros
vários professores que insistiam em tentar me alfabetizar, mesmo depois que já
estava no ensino médio. Mas a essa altura era fácil lidar com o problema, eu só
não fazia as atividades que eles pediam, eu sentava no canto esquerdo da sala
da parede oposta ao quadro com a parede lateral, pegava meus livros cheios de
aventuras e diversão e lia pois afinal de contas, eu nem existia nos anos
cinquenta.
Referências:
ROTTAVA,
L. A leitura e a escrita na pesquisa e no ensino. Espaços da Escola, Ijuí,
Editora UNIJUÍ, a. 4, n. 27, jan. –mar. 1998, p. 61-68.
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