1ª Versão
Por Aluno 8
Na estante de madeira
escura, próxima a janela que dava para um grande abacateiro, encontravam-se
livros dos mais diversos tamanhos e cores. Havia alguns da finura de um dedo,
outros grossos como um punho, cheios de códigos a serem decifrados e imagens coloridas.
Essa era a decoração da
sala onde passei boa parte de minha infância, na qual minha mãe se sentava na
poltrona laranja e lia durante horas e horas. E eu, um tanto curiosa em saber
que graça tinham aquelas páginas de papel, tentava imitá-la, franzindo a testa,
estreitando os olhos e fingindo que compreendia os seus mapas de geografia e as
classificações de rochas.
Após alguns pequenos
desastres, as prateleiras foram rebaixadas para que, quando esticasse meus
pequenos dedos, alcançasse os livros sem derrubá-los no aquário localizado mais
abaixo. Mais tarde, eu não os buscava apenas para folheá-los, mas lia
explicações sobre como os vulcões entravam em erupção (infantis, é claro), o
sistema solar e muitos, muitos livros sobre dinossauros.
Minha mãe se preocupava
seriamente com a possibilidade de eu ser professora (de geografia, como ela),
por isso me comprou meu primeiro livro favorito, que nada tinha a ver com
geógrafos: Bruxa Onilda vai à Nova York
(CAPDEVILA, Roser), e que não englobava a Pangeia ou o Big Bang. Comecei então
minha trajetória pelos livros de ficção, com os quais troquei aquele universo
de meteoros que dizimavam répteis gigantes por fadas, bruxas e princesas.
Mal sabia ela que, me
apresentando ao mundo mágico onde as bruxas voavam para desfiles de moda,
estava o meu novo mundo. Adorava ler, criar novas histórias repletas de magia e
façanhas dos meus heróis prediletos, com monstros horrendos e princesas
aprisionadas por dinossauros (ainda tinha influência deles).
A partir daí, na escola,
meu objetivo de ler acabou virando a inspiração. Queria que os livros me
ajudassem a criar histórias, histórias mágicas, com pontes levadiças, lutas e
encantamentos. Meu propósito era instigar a imaginação e entrar em universos de
mistério, pois este propósito se definia em meu contexto social e atendia às
minhas expectativas como leitora na infância (ROTTAVA, 2000).
Para
tanto, eu achava que devia ser criativa, inovadora. Meus pais sempre
proporcionavam o acesso e o incentivo à leitura, parte que hoje compreendo ser
muito importante no papel de formação de um leitor letrado (ROTTAVA, 2000).
Segui com os livros de aventura
durante boa parte da pré-adolescência, passei por leões e armários em Crônicas de Nárnia (LEWIS, Clive
Staples), os feitiços e profecias de Harry
Potter(ROWLING, J.K.) até o submundo de elfos e gênios do crime de Artemis Fowl(COLFER, Eoin). Essas
leituras, apesar de nitidamente não representarem o mundo “real”, eram
autênticas e vinculavam-se à minha realidade, se encaixavam no processo de
construção de meu conhecimento (ROTTAVA, 2000).
Conhecimento
esse que era formado também pelos temas universais dessas obras. Sim, me
encantavam os elfos e os faunos, mas havia mais do que isso; temas como a
valorização da família e da amizade para vencer os obstáculos também eram
abordados, e isso me forneceu margem para dar início a outro tipo de leitura.
Comecei
a me interessar por livros um pouco mais densos. Agora eu me interessava pelos
romances policiais, como Criatura e Criador
(K, Sarah) e Sherlock Holmes (DOYLE,
Sir Arthur Conan). Desejava descobrir o que estava por trás dos mistérios, não
mais criados sem explicação alguma, mas com soluções para resolver as tramas.
Nessa época, eu intercalava os assassinatos e
roubos do detetive de Baker Street
com o jornal de meu pai, que ele lia religiosamente todas as manhãs. Queria
estar informada sobre as notícias, mas achava tão entediante que minhas
pálpebras pesavam e eu bocejava até achar algo que me interessasse, como as tirinhas
de humor, as palavras cruzadas ou o horário do cinema.
Hoje percebo que parte
desse desinteresse se devia à falta de conhecimento textual, pois eu tinha
pouca familiaridade com assuntos (ROTTAVA, 2000) como a política, a economia e
as polêmicas do noticiário. Desistia e
voltava novamente aos enredos de suspense, com sombras desconhecidas que
andavam pelas ruas da cidade em meio à neblina londrina.
Ao chegar ao ensino médio,
no entanto, percebi a necessidade de me tornar uma “leitora dinâmica”. Deveria
deixar de lado meus casos criminais e me ater à literatura, aos jornais e tudo
aquilo que fizesse parte do universo do vestibular.
Honestamente, não lia
quase nada do que me pediam. Faltava-me o estímulo, o brilho nos olhos, aquela
sensação de estar dentro de um mundo diferente e inovador. Iniciei minha
jornada de tentativa para me inserir nesse universo novamente, relendo meus
antigos livros preferidos.
Para minha decepção, eles
já não eram tão motivadores quanto antes. A linguagem era simples demais, as
soluções (antes tão criativas!) para os problemas dos personagens já pareciam
previsíveis. O sentido que atribuía aos livros de minha infância já mudava,
pois a construção de sentidos depende dos modos de processamento assumidos pelo
leitor (ROTTAVA, 1998), e o meu processamento havia se transformado junto
comigo.
Levei
meu problema a minha professora de literatura. Perguntei a ela se haveria
livros mais parecidos com os que eu apreciava ler, conversamos durante um tempo
e ela me entregou um pequeno volume adaptado, com a capa vermelha, páginas
amareladas e letras de forma que diziam: MacBeth, William Shakespeare.
Concluí,
ao final da leitura, que era curioso o fato de que um livro clássico pudesse
ser interessante. Sim, eu havia gostado, lido mais de uma vez até, e me
entusiasmado com aquela atmosfera nova de histórias que me mostravam novas
perspectivas cada vez que as lia novamente.
Uma
delas foi Os Miseráveis, de Victor Hugo. Li e reli a obra (adaptada para uma
versão bem menor do que a original) e, cada vez que o fazia, relacionava ora a
obras com temas parecidos, ora a realidade que via toda vez que andava na rua,
com todas as pessoas “miseráveis” que encontrava e que já faziam parte de meu
cotidiano. Passava então a notá-las, imaginar o quanto fora fácil buscar a
descrição para os pobres daquele enredo, era só abrir a janela e observar o que
ocorrera durante toda a história da humanidade; a exclusão social, a injustiça,
a miséria.
Isso
me instigou a iniciar a leitura de periódicos. Eu lia agora livros menos fantasiosos
e ligados à história e às diferenças sociais, como em O Continente (VERISSIMO, Erico), que me fascinava por revelar a
força e a determinação das mulheres na trajetória de formação do Rio Grande do
Sul. Havia exemplos que me inspiravam, como o da personagem Ana Terra, ao
defender sua família de bandidos com nada mais do que sua coragem, ou de
Bibiana Cambará, que sofria e ainda assim cuidava de seus filhos, de seu
patrimônio e família.
Meus
propósitos de leitura, durante minha trajetória com os livros, foram vários.
Quis me esconder por trás deles e buscar abrigo em condados de hobbits e elfos (Senhor dos Anéis) e câmaras
secretas, para depois procurar tramas com o suspense de assassinatos e
investigações. Por último, dediquei-me a leitura de livros mais literários,
pois procurava enredos que “não terminavam de dizer aquilo tinham a dizer”.
Queria debater, interpretar e variar minhas leituras.
Hoje tento ler um pouco de
tudo. Consigo utilizar o que já sei para compreender os textos (conhecimento
prévio, (KLEIMAN, 1995)) e procuro livros que provoquem uma reação, pois a
leitura deve permitir o estímulo a novas opiniões (ROTTAVA, 2000).
Ainda aprecio reler e
fazer parte dos mundos de fadas aos quais eu dava tanto valor, mas tento
conciliá-los com outros enredos, que me instiguem a refletir sobre novas
metáforas e problemas (como em Os Miseráveis e tantos outros). A partir desse
caminho traçado, encontrei meu interesse pela literatura e acompanho meus pais
em suas leituras, eu com meus monstros, detetives e heroínas da realidade, eles
com seus mapas e debates políticos.
Referências Bibliográficas
KLEIMAN, Angela.; Aspectos Cognitivos
da Leitura; v. 4; p. 7-27; 1995
ROTTAVA, Lúcia.; Espaços da Escola; A
importância da Leitura na Construção do Conhecimento; n. 35; p 11-16; 2000
ROTTAVA, Lúcia.; Espaços da Escola; A
Leitura e a Escrita na Pesquisa e no Ensino; n. 35; p 61-68; 1998
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