quarta-feira, 4 de junho de 2014

Ritual de limpeza em um dormitório

Reescrita
Por Aluno 34


             O ato de realizar uma faxina semanalmente é uma tarefa indispensável em qualquer residência. Em um dormitório, onde o indivíduo dorme, guarda suas roupas, calçados, livros e outros objetos pessoais, ter o ambiente limpo é indispensável. Além de ser algo higiênico e de extrema importância para a saúde, um quarto limpo também é mais bonito, acolhedor e confortável.
            No entanto, limpar o quarto, por mais essencial que seja, é algo que exige muita disposição e ânimo, porque é um trabalho cansativo e delicado, tendo de arrumar com cuidado alguns objetos, não deixando nada com pó, gordura ou sujeira de qualquer natureza. Alguns móveis podem ser mais simples que outros, mas não há de se iludir, pois todos exigem extrema dedicação. Para que a faxina não se torne algo monótono e sim desperte no indivíduo um momento de prazer e diversão, há alguns fatores "diferentes" que podem complementar a tarefa de limpeza, para que esta deixe de ser algo considerado triste e preguiçoso - e sim um momento de relaxamento.
           Para o começo do grande ritual, o indivíduo está ainda na porta do quarto, com o corpo imóvel e pés colados ao assoalho de madeira. Agora é o momento de observar o ambiente: dá uma olhada ampla para as paredes um pouco sujas, a mesa empoeirada, a janela de madeira com verniz e vidro embaçado de gordura e fumaça da cidade. A planta que está na estante - coitada da planta! - está morrendo, porque o dono do ambiente não a rega há semanas. E o tapete do quarto? Era branco até semana passada. Agora está totalmente encardido.
O indivíduo reflete e faz uma breve filosofia da situação presente de seu dormitório. Os olhos ficam cabisbaixos a cada sujeira presenciada; o corpo parece estar caindo também, assim como a sua auto-estima. O clímax da decepção chega nesse exato momento: é quando a pessoa pensa ou diz em voz alta, após um longo suspiro e um olhar profundo de seriedade:
- É hora da faxina.
Passando tais minutos tensos e reflexivos, junto a esse dizer acima, não há mais volta: precisa-se limpar o quarto.
O tapete será o primeiro alvo da limpeza e claridade. Que cor ele tinha mesmo? Ah, era branco. Tanto tempo que não limpava, o indivíduo quem sabe até esquecera. Chega olhando para o tapete com uma vontade quase incontrolável de ligar a televisão e ficar assistindo a filmes por toda a tarde, e deixá-lo ali, com aquela tonalidade encardida.
Não, precisa-se limpar o tapete. Haja paciência para começar. Um momento: como fazer uma faxina sem ouvir música? Eis o primeiro aspecto fundamental para uma faxina ser mais divertida.
E o tapete é deixado de lado. Primeiro há de pegar o aparelho escolher uma estação de rádio. Futebol já, às 13:00? Não, obrigado. Uma das demais emissoras toca algo agradável. Não! Prefere uma música agitada. Por que não aquele samba de raiz que está na rádio seguinte? Escolhido. Faxina com samba. E dos bons, dos antigos. Tal estilo musical anima e faz com que o tempo passe mais depressa, ou seja: aparentemente, o tapete ficará limpo mais rápido.
            O indivíduo pisa no artifício e ajoelha-se, não para rezar, mas para dar início à limpeza. Tapete branco precisa ser limpo à mão, com um pano úmido que retire toda a sujeira: pega um balde com água e, com as duas mãos, retira-se o pano, de forma que esteja já enrolado para torcer e retirar o excesso de líquido presente; o tapete é para ficar limpo e não encharcado de água. Sem se levantar, posiciona com força o pano diante do tapete e, num movimento repetitivo, esfrega, retira as impurezas, até ver novamente o antigo branco do tecido.
          Eis a primeira tarefa cumprida. Em questão de dez a quinze minutos, em um constante processo de passar o pano úmido no tecido, a parte do tapete estava concluída.       O cansaço começa a ser sentido pelo indivíduo, o suor respingando sobre os olhos, cabelo praticamente molhado, completamente oleoso. Contudo, não há tempo a perder, sequer de desistir. A missão da faxina já começou, portanto, há de vencê-la e não render-se à batalha.
            Segunda fase do desafio: a prateleira. Olha lá a planta que está mais para uma integrante da Família Adams - que tem os defuntos mais famosos do mundo! Água urgente nas folhas da coitada!
            Após regar e dar uma nova vida à vegetação, a pessoa pega um pano seco, propício para o pó e, numa verdadeira dança em que os braços e o corpo vão para cima e para baixo, para frente ou trás, com o pano como acompanhante da valsa em seus movimentos circulares, lá vai retirando a sua coleção quase infindável de enfeites de porcelana e, para finalizar a sua coreografia diante da limpeza, passa pano em toda a estante sem os artefatos, cuidando as pontas e cantos do móvel, em que a poeira sempre fica acumulada.
           A música que a rádio toca está tão boa que o indivíduo começa a cantar alegremente. Entretanto, a distração sobrepõe-se ao cuidado com a porcelana que está em um espaço do quarto antes de voltar à estante, resultando no verdadeiro “anjo que caiu do céu”: o enfeite de anjinho, tão bonitinho, despedaçado no chão. Agora, não se vê mais um anjo, e sim uma bagunça de asas quebradas, corpinho destruído e uma cabeça solta – diga-se o novo integrante da Família Adams. Num ritual de faxina, acidentes são imprevisíveis, porém podem sim fazer parte do ato de limpar, pois a faxina não é apenas prestar atenção nos móveis, e sim no conjunto de um afazer.
            Passa-se uma cola nas partes do anjinho e eis o retorno à estante. Esta está limpa e sem o pó, com os enfeites já no lugar e uma planta ressuscitada. Após isso, a pessoa passa o pano na mesa, retirando delicadamente os livros, bonecas, porta-retratos. Tais objetos ficam em cima da cama enquanto o pó da escrivaninha é extraído.
            Alguém falou em cama? Ah, não... Esqueceu de varrer embaixo dela.
tira a sujeira que está sob a mesma. De brinde, encontra aquela meia sem par que ele pensava ter sido roubada do varal há umas duas semanas. Por acaso, quem roubaria uma meia, sem ter a outra junto? Guarda-se a meia, hora de continuar a limpeza. Quanto à cama, tudo ok, falta a mesa, a qual ainda não foi retirada toda a poeira. Pano passado, começando o deslize pelo lado direito, passa reto para cima, vai para a esquerda e finaliza-se com um movimento circular ao meio da escrivaninha. Fim de coreografia. Produtinho que dá um cheiro bom, mesa limpa. Todos os seus respectivos objetos novamente em seus lugares.
Tudo estava bem, calmo e tranquilo, ele já pensando naquela pipoca de final de tarde e na novela que estava prestes a começar, até o momento no qual olha para a janela e não consegue ver o que há lá fora. Não, a pessoa não precisa de óculos: a sujeira dos vidros do quarto está bem nítida aos seus olhos.
            Aos poucos, o indivíduo começa a passar o pano com os típicos movimentos circulares, e ai dele se colocar os dedos! Não se deixa marcas de dedos no vidro; nem o indivíduo e tampouco um integrante de sua família.  Com o passar do pano, a visão mais nítida começa a ficar presente, e já consegue observar como está o tempo lá na rua, espanta-se com o fluxo de carros, vê pela janela uma pessoa atraente - nossa, que pessoa linda! Quer ficar ali, observando; numa faxina também há de ter um momento filosófico e reparador. Caso contrário, ela perde o seu charme. Tal momento perdura em torno de dois minutos, e logo após isso, chega de frescura: esquece a pessoa amada anônima que não lhe corresponde. E vê se fecha logo essas janelas, pois já estão limpas de tanto passar o pano e a obediência em não colocar os dedos nus no vidro.

            No desfecho, um pano úmido no chão é passado e alguma recolocação precisa de móveis. Tudo está no seu lugar, cheiroso e brilhando: a planta sorrindo para o mundo outra vez, um tapete com uma nova cor, janelas que mostram o que há do lado de fora e um anjinho remendado - sendo este agora mais semelhante a uma miniatura de Frankenstein. O indivíduo, cansado e feliz pelo fato do seu ritual estar completo, senta-se na cama, aspira profundamente o perfume do ambiente e dá um leve sorriso de satisfação. Em breve, sua felicidade é tomada por um ar depreciativo, que é quando lembra-se de que todo o processo exaustivo será repetido na semana seguinte. 

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