Reescrita
Por Aluno 32
Todos
já passaram ou passarão por algum evento de natureza socialmente
obrigatória. “Eventos socialmente
obrigatórios” são aqueles aos quais o convidado não quer ir e o anfitrião só o
convidou devido a obrigações implícitas da convivência social. Esses eventos
podem ser festas de quinze anos de pessoas com quem só se conversou uma vez na
vida ou casamentos de casais que nunca se viu antes, por exemplo. Não importa
se o indivíduo pensa que festas de quinze anos são rituais patriarcais que
nenhuma mulher deveria apoiar, nem se ele não concorda com a monogamia, pois
ele acabará tendo de ir.
Todavia,
por que esse desafortunado indivíduo tem de ir a esse evento? Não pode ele
simplesmente ignorá-lo e seguir normalmente a sua vida? Ele pode, e, se o
fizer, estará à frente de seu tempo, constituindo uma parcela muito pequena e
revolucionária da população. Mas o que leva a esmagadora maioria a ir ao evento
sem questionar – ou, no mínimo, manter os questionamentos internalizados?
Durkheim nos traz a resposta: os fatos sociais. Essas entidades superiores,
externas aos indivíduos e independentes deles, estabelecidas em toda a
sociedade, capazes de exercer sobre todos uma influência muito maior do que se toma
consciência. Maestros invisíveis que regem todas as relações que se dão entre
as pessoas.
Um
fato social leva tanto o anfitrião a fazer o convite quanto o convidado a
aceitá-lo com suspiros resignados. Só que o convite para o evento socialmente
obrigatório não vem diretamente; ele é disfarçado, infiltrado. Os anfitriões
estendem o convite aos familiares do “convidado principal”, geralmente o pai ou
a mãe do “convidado contrariado”. O convidado principal também pode ir
contrariado, mas como progenitor, deve dar um bom exemplo, pois já tem mais
experiência em eventos deste gênero. No final, não importa quem está ou não
contrariado: a infame partícula “e família” colocada ao lado do nome do
convidado principal, juntamente com a data, o local e o horário em que se dará
a cerimônia, colocou todos juntos no pacote chamado “Boa sorte,
você acaba de ser convocado a participar de um evento socialmente obrigatório”.
Entretanto,
ir ao evento não se resume a simplesmente ir ao evento. Além de ser
implicitamente forçada a ida à cerimônia, não se pode ir vestido da maneira que
desejar. A camiseta folgada do “FEIRÃO CAIXA 2010”, que nem se sabe como foi
parar na gaveta, e a calça de abrigo surrada, que é uns dois números maior do
que deveria, não servirão para comparecer ao evento. Há outro fato social que
institui a vestimenta considerada adequada, mais formal e mais desconfortável. É
uma data especial, que exige uma roupa especial. Para homens, consiste em terno
e gravata, de cores neutras e escuras. Para mulheres, vestido e salto alto,
além de maquiagem. O comprimento apropriado varia de acordo com a ocasião, a
progenitora da família saberá informar qual é o certo.
Para
não chutar as convenções sociais e ir vestindo a camiseta e a calça de abrigo,
busca-se inspiração nos corajosos heróis e heroínas dos livros e filmes. O convidado
contrariado puxa a força de vontade, a perseverança e a garra do âmago de seu
ser para conseguir levantar-se da tão confortável cama e se arrumar.
Outra
exigência imposta por outro fato social é o comportamento durante o evento. Não
é aceitável chegar à festa, não cumprimentar ninguém, rumar até uma das mesas
decoradas com arranjos de flores espalhadas pelo salão, sentar-se e esperar até
a hora de ir embora. É preciso cumprimentar os anfitriões e os conhecidos do
convidado principal. É comum não saber o nome de nenhum deles, mas sorrisos e
apertos de mão poderão solucionar o problema satisfatoriamente. Caso não se tenha
interesse nos assuntos das conversas e não se preste atenção, acenos de cabeça
indicando anuência servirão bem para sobreviver às interações. Elogios corteses
devem ser feitos ao esmero com que os anfitriões elaboraram a festa, é de suma
importância.
Depois
de decorridas em média três horas desde o início do cerimonial, música alta,
dançante e pop começará a tocar, e
luzes coloridas começarão a piscar. Esses fenômenos sinalizam que pessoas
começarão a dançar, mas tal ação é opcional. Como está se sentindo retraído
pelo ambiente com pessoas desconhecidas, o convidado contrariado permanecerá
sentado, e se aproveitará da distração dos outros para começar a desenvolver
suas habilidades na arte do origami
com o primeiro papel que estiver ao seu alcance. O convidado contrariado com um
pouco mais de experiência leva papel e caneta no bolso ou na bolsa para
garantir um passatempo.
Depois
do tempo considerado adequado, vai-se embora. Novamente os progenitores, com
toda a sabedoria já adquirida em outras situações do tipo, saberão qual é a
chance de partir sem serem tidos como rudes. Ao voltar ao lar, tira-se o sapato
que machuca tanto os pés que dá a certeza de ter sido usado como instrumento de
tortura em algum momento da História, e também a roupa apertada que pinica. Retorna-se
para a confortável e aconchegante cama, com a camiseta e a calça de abrigo e, acima
de tudo, com o sentimento de “Parabéns, você acaba de passar com êxito por um
evento socialmente obrigatório. O equilíbrio do mundo foi mais uma vez
assegurado”.
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