quarta-feira, 4 de junho de 2014

Socialmente obrigatório

Reescrita
Por Aluno 32


Todos já passaram ou passarão por algum evento de natureza socialmente obrigatória.  “Eventos socialmente obrigatórios” são aqueles aos quais o convidado não quer ir e o anfitrião só o convidou devido a obrigações implícitas da convivência social. Esses eventos podem ser festas de quinze anos de pessoas com quem só se conversou uma vez na vida ou casamentos de casais que nunca se viu antes, por exemplo. Não importa se o indivíduo pensa que festas de quinze anos são rituais patriarcais que nenhuma mulher deveria apoiar, nem se ele não concorda com a monogamia, pois ele acabará tendo de ir.
Todavia, por que esse desafortunado indivíduo tem de ir a esse evento? Não pode ele simplesmente ignorá-lo e seguir normalmente a sua vida? Ele pode, e, se o fizer, estará à frente de seu tempo, constituindo uma parcela muito pequena e revolucionária da população. Mas o que leva a esmagadora maioria a ir ao evento sem questionar – ou, no mínimo, manter os questionamentos internalizados? Durkheim nos traz a resposta: os fatos sociais. Essas entidades superiores, externas aos indivíduos e independentes deles, estabelecidas em toda a sociedade, capazes de exercer sobre todos uma influência muito maior do que se toma consciência. Maestros invisíveis que regem todas as relações que se dão entre as pessoas.
Um fato social leva tanto o anfitrião a fazer o convite quanto o convidado a aceitá-lo com suspiros resignados. Só que o convite para o evento socialmente obrigatório não vem diretamente; ele é disfarçado, infiltrado. Os anfitriões estendem o convite aos familiares do “convidado principal”, geralmente o pai ou a mãe do “convidado contrariado”. O convidado principal também pode ir contrariado, mas como progenitor, deve dar um bom exemplo, pois já tem mais experiência em eventos deste gênero. No final, não importa quem está ou não contrariado: a infame partícula “e família” colocada ao lado do nome do convidado principal, juntamente com a data, o local e o horário em que se dará a cerimônia, colocou todos juntos no pacote chamado “Boa sorte, você acaba de ser convocado a participar de um evento socialmente obrigatório”.
Entretanto, ir ao evento não se resume a simplesmente ir ao evento. Além de ser implicitamente forçada a ida à cerimônia, não se pode ir vestido da maneira que desejar. A camiseta folgada do “FEIRÃO CAIXA 2010”, que nem se sabe como foi parar na gaveta, e a calça de abrigo surrada, que é uns dois números maior do que deveria, não servirão para comparecer ao evento. Há outro fato social que institui a vestimenta considerada adequada, mais formal e mais desconfortável. É uma data especial, que exige uma roupa especial. Para homens, consiste em terno e gravata, de cores neutras e escuras. Para mulheres, vestido e salto alto, além de maquiagem. O comprimento apropriado varia de acordo com a ocasião, a progenitora da família saberá informar qual é o certo.
Para não chutar as convenções sociais e ir vestindo a camiseta e a calça de abrigo, busca-se inspiração nos corajosos heróis e heroínas dos livros e filmes. O convidado contrariado puxa a força de vontade, a perseverança e a garra do âmago de seu ser para conseguir levantar-se da tão confortável cama e se arrumar.
Outra exigência imposta por outro fato social é o comportamento durante o evento. Não é aceitável chegar à festa, não cumprimentar ninguém, rumar até uma das mesas decoradas com arranjos de flores espalhadas pelo salão, sentar-se e esperar até a hora de ir embora. É preciso cumprimentar os anfitriões e os conhecidos do convidado principal. É comum não saber o nome de nenhum deles, mas sorrisos e apertos de mão poderão solucionar o problema satisfatoriamente. Caso não se tenha interesse nos assuntos das conversas e não se preste atenção, acenos de cabeça indicando anuência servirão bem para sobreviver às interações. Elogios corteses devem ser feitos ao esmero com que os anfitriões elaboraram a festa, é de suma importância.
Depois de decorridas em média três horas desde o início do cerimonial, música alta, dançante e pop começará a tocar, e luzes coloridas começarão a piscar. Esses fenômenos sinalizam que pessoas começarão a dançar, mas tal ação é opcional. Como está se sentindo retraído pelo ambiente com pessoas desconhecidas, o convidado contrariado permanecerá sentado, e se aproveitará da distração dos outros para começar a desenvolver suas habilidades na arte do origami com o primeiro papel que estiver ao seu alcance. O convidado contrariado com um pouco mais de experiência leva papel e caneta no bolso ou na bolsa para garantir um passatempo.

Depois do tempo considerado adequado, vai-se embora. Novamente os progenitores, com toda a sabedoria já adquirida em outras situações do tipo, saberão qual é a chance de partir sem serem tidos como rudes. Ao voltar ao lar, tira-se o sapato que machuca tanto os pés que dá a certeza de ter sido usado como instrumento de tortura em algum momento da História, e também a roupa apertada que pinica. Retorna-se para a confortável e aconchegante cama, com a camiseta e a calça de abrigo e, acima de tudo, com o sentimento de “Parabéns, você acaba de passar com êxito por um evento socialmente obrigatório. O equilíbrio do mundo foi mais uma vez assegurado”. 

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