quarta-feira, 4 de junho de 2014

Socialmente obrigatório

1ª Versão
Por Aluno 32


Festa de quinze anos de uma pessoa com quem só conversamos uma vez na vida. Casamento de um casal que nunca vimos antes. Não importa se pensamos que festas de quinze anos são rituais patriarcais que nenhuma mulher deveria apoiar. Não importa se vemos alguma coisa errada na monogamia. Vamos acabar tendo de ir.
A ida a esses eventos está quase sempre associada a nossos pais. Eles passam o convite. Data, horário e local. Geralmente fica implícito que nossa ida é indispensável, mas se ficar dúvida/esperança, pode-se perguntar:
- E eu preciso ir?
Então vem a resposta afirmativa. Pode ser tanto verbalizada quanto apenas um olhar – que, por sua vez, pode ser tanto cúmplice, do tipo “eu também não quero ir, mas sabe como é”, quanto ditador, do tipo “sim, vai ir sim”.
Suspiros resignados. Cedemos, porque, convenhamos, nossos pais fazem tanto por nós. O que é usar um sapato desconfortável e “passar alguma coisinha na cara” por uma noite, comparado a tudo que eles representam?
Esquecemos da existência do evento. Até a véspera. Daí precisamos conferir se a roupa apropriada ainda serve, se nada está descosturando. Grande xingo da mãe se algo não estiver como deveria estar: “Por que deixou pra ver isso na última hora, criatura?”
Chegou o dia. Pensamos na importância que a cerimônia tem para nossos pais. Buscamos inspiração nos corajosos heróis e heroínas dos livros e filmes para não chutarmos as convenções sociais e irmos de camiseta e calça de abrigo. Puxamos a força de vontade, a perseverança, a garra, do âmago de nossos seres, para conseguirmos levantar de nossas tão confortáveis camas e nos arrumarmos.
Conseguimos. Ao chegar no local, acontece todo o cerimonial. Na festa de quinze anos, a aniversariante dança a valsa com o pai, os amigos e parentes fazem homenagens a ela, depois há o jantar, música alta começa a tocar e luzes piscantes são acesas, e a maioria das pessoas dança. Já no casamento, primeiro ocorre a cerimônia religiosa, e depois a festa, geralmente em outro lugar, festa essa bem similar à de quinze anos, em alguns pontos. Ser cortês com os donos da festa é de suma importância em ambas as situações.
Com sorte, podemos pegar sorrateiramente algum papel da mesa, quando a música e as luzes a piscar, e fazer dobraduras para espantar o tédio. Se formos prevenidos, levamos papel e caneta de casa, para garantir o passatempo. É comum sentir certa culpa por não estar aproveitando a festa, mesmo que grande esforço tenha sido feito para elaborá-la. É importante apenas não desmerecer o trabalho, é apropriado elogiar o afinco com que ela foi feita, o que não é hipócrita de nossa parte.
Depois do tempo considerado adequado, vamos embora. Ao retornar ao lar, tiramos o sapato que machuca os pés e a roupa que pinica. Voltamos para nossa cama, com nossa camiseta e com nossa calça de abrigo e, acima de tudo, com o sentimento de “Parabéns, você acaba de passar com êxito por um evento socialmente obrigatório. O equilíbrio do mundo foi mais uma vez assegurado.”

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