segunda-feira, 2 de junho de 2014

Últimos minutos da vida de uma formiga

Reescrita
Por Aluno 1


Eu havia me perdido de minhas amigas, por isso estava sozinha. Mas, apesar disso, ainda conseguia sentir o cheiro de onde elas tinham passado. Eu teria um longo caminho até minha casa. Teria de atravessar a calçada e, com muita sorte, a rua. A princípio o horário estava a meu favor, não tinha muito movimento na rua.
Começara a minha jornada há um bom tempo e como tudo estava muito silencioso, parei para descansar – que infortúnio! – no meio da calçada.
Ouvi um “clap, clap, clap” ao longe. O ruído me deixou extremamente curiosa. Dali de baixo eu via as irregularidades da calçada, uma lajota mais alta que a outra. Era noite, aproximadamente 23 horas, e as luzes amareladas da cidade iluminavam toda a rua. Bem acima de mim, um véu escuro iluminado pelas estrelas e pela lua. Agora, aquele som toma forma, vejo pés calçando um sapato de couro preto lustro. Ao qual chamarei de Músico-1.
Certamente deve estar indo a algum lugar, mantêm os passos ritmados, um pé após o outro, apressados.  1-2, 1-2, 1-2.  Aquele som se tornou uma música e eu queria ouví-la, essa vontade que senti de conhecer de onde vinha aquele som seria minha desgraça.
Enquanto apreciava o espetáculo musical que era o barulho das solas do sapato do músico-1 contra as lajotas soltas da calçada, outros passos começaram a ecoar, torando o show irresistível. Esses segundos passos pertencem àquele que chamarei de Músico-2.
O Músico-1 para ainda distante de mim, era uma pausa para o verdadeiro musical de passos começar. Então o par de sapatos dele tornam a caminhar em minha direção. Uma sonoridade fatal.
 Do outro lado outros pés surgem, agora também consigo ver o Músico-2. Bota velha de cadarços desamarrados e um furo na ponta do pé. Apesar das aparências, a musicalidade causada pelo impacto daquelas botas me instigaram a permanecer ali. E, afinal, eu estava tão cansada!
Dali de baixo via tudo, todos os passos dados, todas as notas emitidas. Sou tão pequena e quase não notada, poderia ficar ali escondida e os pés não perceberiam minha presença, apenas cantariam para mim.
Estava situada no meio do percurso daqueles quatro pés. Dos sapatos e das botas. Eles se aproximavam de mim sincronicamente, uma apresentação perfeita. A cada passo dado o som ficava mais alto e eu me aproximava mais de desvendar o mistério daqueles músicos.
Encaminhavam-se, então, para a finalização do show. Conseguia encarar aqueles que me enfeitiçavam. Os pés levantavam e eu via as solas. Um após o outro, eles ficavam cada vez maiores e os passos mais sonoros. “Clap, clap”. Minhas seis perninhas tremeram. Percebi tarde demais para escapar que aquele show não era autorizado para menores de cinco centímetros.
Olhei para um lado: sapato preto, sola marrom, número 40, assim era o Músico-1. Olhei para outro: bota cinza, velha, desbotada, sola também marrom, número 36. Esse só poderia ser o Músico-2.
Perto de mim, tão perto. Os meus ídolos e donos do meu fim. Minhas perninhas tremeram outra vez, mas dessa vez consciente da minha fatalidade. Última vez que vi a sola marrom, número 40. Bem em cima do meu corpinho preto e minúsculo no chão. A nota final daquela música se aproximava. Um último e sonoro “clap” encantador bem em cima de mim, esmagando os meus membros e comprimindo-os no chão.

Senti uma dor latejante que foi se esvaindo aos poucos, até meu último suspiro. Assim, o meu maestro encantador trouxe o meu fim.

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