quarta-feira, 4 de junho de 2014

Um rubro sorriso, ou Descrição de uma noite com Dr. Salazar

1ª Versão
Por Aluno 3


            Um suculento sorriso, colorido como o sangue de jovem mulher... vívido, gritante, vermelho...
            Sentada sobre os escuros, quase de todo pretos, sedosos lençóis da cama de largos colchões, penteia ela os seus longos e corredios fios de cabelo. Estes, criando um mais que perfeito contraste entre pelos e pele quando estendidos sobre as suas alvas, femininas e delgadas espáduas, compartilham com o noturno céu por densas nuvens encoberto as naturais, negras feições e matizes da sua fábrica. A jovem admira a própria beleza, todo o seu delicado corpo, no reflexo a ela apresentado pelo espelho disposto sobre a parede do quarto. Velas proviam ao cômodo a luz necessária para que houvesse qualquer imagem visível nos vidros nos quais era replicada a divina imagem da linda moça.
            Discreto em sua observação, homem de alta estirpe, renomado médico, muito bem apresentado em seu negro paletó, sapatos e calças a custo de muito dinheiro comprados, ele permanece imperceptível à inocente desatenção da jovem musa. Fica imaginando os seus claros, celestes olhos azuis. Disfarça seu emotivo respirar e os acelerados batimentos do peito apaixonado escondendo o som da expiração e do pulsar de veias em meio às notas cantadas pela delicada brisa que entra pelas janelas abertas pouco antes do retorno da bela ao quarto, depois do seu demorado banho. A noite é quente. Ela o conhece há pouco mais de uma semana. Ele faz descer as persianas e fecha os vidros das janelas, isolando acusticamente o quarto, na medida do possível.
            Já nebulosas as suas percepções, tomado por incontrolável desejo, se aproxima do leito, da dama que, não mais escovando seus longos cabelos, aguarda paciente o amante a poucos dias conhecido. O homem, já próximo o suficiente da sua querida para que pudesse notar maiores detalhes do seu tão bem delineado semblante, inveja amargamente as ralas gotas d’água que sem o menor pudor rolavam sobre a delicada pele da formosa moça, deleitadas ao quente toque do seu jovem corpo. Sente, ele, daquela que a poucos centímetros dele agora se dispõe, o irresistível olor natural, o seu intoxicante perfume. Correm pela sua fronte as gotas do suor proveniente do seu descontrole emocional. Pensando compreender as intenções do seu, ao menos por aquela noite, companheiro, a linda moça, faces e lábios avermelhados, sorri.
            Um voluptuoso sorriso, colorido como o sangue da jovem mulher... vívido, silencioso, vermelho...
            Decide ele que irá toma-la para si, finalmente seguindo os conselhos insidiosos do mais natural dos instintos da carne. Envolve-a com seus fortes braços e firmes mãos (mãos de habilidoso cirurgião), vestidas estas por finas luvas de couro cinzento, imobilizando quaisquer possíveis maiores movimentos a serem por parte dela inesperadamente efetuados. Ela, sentindo o calor da respiração do parceiro sobre a sua delicada nuca, aceita o gesto. Levemente tocando com os lábios a suave pele da mulher envolta em seus braços, ele faz com que corram arrepios pela espinha da pobre infeliz quando lhe beija a nuca. Já se vê o homem enlouquecido pelo irrefutável desejo.
            O médico tem fome.
            Apertando-a com ainda maior gasto de energias em seus abraços, morde ele o pescoço da jovem dama, não de maneira terna e sensual, mas imprimindo sobre a frágil carne da amaldiçoada mulher toda a brutal pressão que podiam exercer suas poderosas mandíbulas, fazendo tremer as paredes brancas do quarto com o reverberar dos desesperados berros daquela por quem tinha então tamanha paixão. A aterrorizada moça, sem conseguir se desvencilhar do sufocante abraço do elegante psicopata, tem, pela faminta boca deste, a carótida arrancada. Os jatos de sangue redecoram o quarto. Cessam, em segundos, os gritos da desventurada jovem.
            Com o recorte de músculos e veias ainda sendo por seus brancos dentes mastigados, o insano canibal vislumbra através do seu reflexo no espelho, ainda tomado por insuperável sentimento de satisfação e prazer lascivo, a sua verdadeira natureza: seus morenos cabelos já desgrenhados; olhos de frio azul abertos como se não fossem envolvidos por suas pálpebras; os lábios e o queixo ensanguentados por completo. Ainda abraçando o imóvel cadáver da sua querida, sorri para si mesmo.

            Um verdadeiramente suculento sorriso, colorido com o sangue da jovem mulher... mórbido... vívido...

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