Reescrita
Por Aluno 44
Eu não gosto de andar de ônibus. Não, eu não prefiro
andar de táxi, carro ou helicóptero. Eu gosto mesmo de andar de bicicleta,
sentindo o vento nos cabelos e o contato com o mundo. Andar de ônibus me dá a
sensação de sufocamento, de estar presa àquele retângulo de ferro enorme. Se
Dom Quixote visse aquilo colorido, que suga pessoas em sua volta e se movimenta
de forma brusca, tenho certeza que ele lutaria contra a terrível criatura.
É sempre a mesma coisa. Subo no ônibus – sou sugada
por ele, geralmente acompanhada de mais algumas pessoas. O cartão TRI usado
naquela roleta inconveniente, instalada no começo do ônibus e que foi feita
apenas para atrapalhar quem está com as mãos cheias, some de minhas mãos e aí
começa a sina de procurar no meio dos meus pertences. Depois de muito apalpar
minha bolsa e meus bolsos, geralmente descubro que está no de trás da calça e
finalmente posso me dirigir a um banco. É onde começa o pânico.
Sentada no banco, posso observar aquela caixa com
rodas. Tem bancos uniformes, cerca de vinte e dois, de modo a colocar parte das
vítimas sentadas organizadamente – a fim de facilitar o consumo de energia do
cidadão, é claro. Há alguns bancos amarelos também, estes servem para pessoas
mal educadas sentarem enquanto senhores(as) de idade ficam em pé se sacodindo.
Ao decorrer de todo ônibus tem uns pilares
amarelinhos com um botão que dá a presa a possibilidade de escolher em
que momento será regurgitado para fora daquela criatura cruel e perturbadora.
Em cada parada – lugar onde o ônibus para, como o
nome indica – mais cidadãos são absorvidos e, claro, a tensão aumenta. Elas
fazem o mesmo processo: perdem o cartão TRI, acham, passam na roleta e sentam
nos bancos. Quando o número de bancos não é mais suficiente, elas ficam em pé e
é neste momento que a sensação de sufocamento chega ao seu ápice. Mesmo no
silêncio do mártir, os gritos de desespero podem ser ouvidos e aquela frígida
criatura se torna cada vez menos saciável. Na medida em que as pessoas se
apertam naquele corredor estreito, começo a me inquietar e sonhar com o momento
de fugir daquele caos. Cidadãos cansados do seu trabalho, senhores mais velhos,
estudantes com uma mochila enorme e um cobrador – coração da máquina –
bombeando as pessoas ao redor do monstro com a frase “mais um passinho pessoal,
tem espaço lá no fundo”. É o caos instaurado.
Quando me encorajo a vencer a aberração, determinada
a sair daquele cubículo de horrores, me levanto e encaro outra parte do
desafio. A pessoa sai, eu levanto do banco e preciso passar por todos os
companheiros presentes. É aquele bater de ombros e empurrar de bundas sem fim.
É o momento que, para mim, o suor começa a escorrer e o ar a faltar. O desafio
final, passar por todos aqueles espaços mínimos, entre corpos igualmente
desesperados e fugir da máquina. Se a vida fosse algo palpável, eu com certeza
veria a minha se esvaindo aos poucos neste exato momento.
A reta final vai se aproximando e eu me mantenho
agarrada naquele ferro amarelo, me equilibrando da forma mais eficiente que
consigo. A monstruosidade vai parando aos poucos, em busca de outra vítima, e
aí começo a enxergar àquele local que te torna uma vítima em potencial, a
parada. O bicho para totalmente e me joga para fora, com a esperança que outros
de sua espécie possam me aprisionar novamente. Colocando-me na rua de novo,
posso sentir minha vida voltando a mim.
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