quinta-feira, 5 de junho de 2014

Monstro de Ferro

Reescrita
Por Aluno 44


Eu não gosto de andar de ônibus. Não, eu não prefiro andar de táxi, carro ou helicóptero. Eu gosto mesmo de andar de bicicleta, sentindo o vento nos cabelos e o contato com o mundo. Andar de ônibus me dá a sensação de sufocamento, de estar presa àquele retângulo de ferro enorme. Se Dom Quixote visse aquilo colorido, que suga pessoas em sua volta e se movimenta de forma brusca, tenho certeza que ele lutaria contra a terrível criatura.
É sempre a mesma coisa. Subo no ônibus – sou sugada por ele, geralmente acompanhada de mais algumas pessoas. O cartão TRI usado naquela roleta inconveniente, instalada no começo do ônibus e que foi feita apenas para atrapalhar quem está com as mãos cheias, some de minhas mãos e aí começa a sina de procurar no meio dos meus pertences. Depois de muito apalpar minha bolsa e meus bolsos, geralmente descubro que está no de trás da calça e finalmente posso me dirigir a um banco. É onde começa o pânico.
Sentada no banco, posso observar aquela caixa com rodas. Tem bancos uniformes, cerca de vinte e dois, de modo a colocar parte das vítimas sentadas organizadamente – a fim de facilitar o consumo de energia do cidadão, é claro. Há alguns bancos amarelos também, estes servem para pessoas mal educadas sentarem enquanto senhores(as) de idade ficam em pé se sacodindo. Ao decorrer de todo ônibus tem uns pilares  amarelinhos com um botão que dá a presa a possibilidade de escolher em que momento será regurgitado para fora daquela criatura cruel e perturbadora.
Em cada parada – lugar onde o ônibus para, como o nome indica – mais cidadãos são absorvidos e, claro, a tensão aumenta. Elas fazem o mesmo processo: perdem o cartão TRI, acham, passam na roleta e sentam nos bancos. Quando o número de bancos não é mais suficiente, elas ficam em pé e é neste momento que a sensação de sufocamento chega ao seu ápice. Mesmo no silêncio do mártir, os gritos de desespero podem ser ouvidos e aquela frígida criatura se torna cada vez menos saciável. Na medida em que as pessoas se apertam naquele corredor estreito, começo a me inquietar e sonhar com o momento de fugir daquele caos. Cidadãos cansados do seu trabalho, senhores mais velhos, estudantes com uma mochila enorme e um cobrador – coração da máquina – bombeando as pessoas ao redor do monstro com a frase “mais um passinho pessoal, tem espaço lá no fundo”. É o caos instaurado.
Quando me encorajo a vencer a aberração, determinada a sair daquele cubículo de horrores, me levanto e encaro outra parte do desafio. A pessoa sai, eu levanto do banco e preciso passar por todos os companheiros presentes. É aquele bater de ombros e empurrar de bundas sem fim. É o momento que, para mim, o suor começa a escorrer e o ar a faltar. O desafio final, passar por todos aqueles espaços mínimos, entre corpos igualmente desesperados e fugir da máquina. Se a vida fosse algo palpável, eu com certeza veria a minha se esvaindo aos poucos neste exato momento.

A reta final vai se aproximando e eu me mantenho agarrada naquele ferro amarelo, me equilibrando da forma mais eficiente que consigo. A monstruosidade vai parando aos poucos, em busca de outra vítima, e aí começo a enxergar àquele local que te torna uma vítima em potencial, a parada. O bicho para totalmente e me joga para fora, com a esperança que outros de sua espécie possam me aprisionar novamente. Colocando-me na rua de novo, posso sentir minha vida voltando a mim.

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