Reescrita
Aluno 169
Em nossa existência, nós, seres
humanos, estamos expostos a sofrer uma infinidade de consequências que a vida
pode nos causar. Por vezes, nós somos obrigados a fazer alterações em nosso
planejamento de vida, em decorrência de um imprevisto que nos obriga a tal
mudança. Minha mãe, por exemplo, a partir de seus 34 anos de idade, manteve
como meta, exclusivamente, a cura de uma doença, além de mudar a minha visão de
como enxergar a realidade embasado nos acontecimentos por que ela passou.
Era ano de copa do mundo, a primeira
na África do Sul. Minha mãe chegou em casa com seu cabelo muito mais curto do
que normalmente costumava deixar. Aqueles fios que sempre foram loiros e
compridos, pela primeira vez, após 34 anos, estavam dando lugar a um modelo
mais modesto. Perguntei, então, o motivo de tal corte ter-se mostrado diferente
do que ela havia planejado: respondeu apenas que ainda não estava preparada,
pois não sentiria-se confortável utilizando o visual primeiramente programado.
Seu primeiro pensamento era o de raspar completamente o cabelo, mas preferiu
contar com o auxílio do tempo, já que com sua ''ajuda'', eles naturalmente
cairiam. Essa foi a primeira de algumas mudanças ocorridas na vida de minha
mãe, pois, a partir daquele dia, ela tornou-se uma mulher mais ocupada,
estressada e desanimada, afinal, durante cinco dias por semana, ela caminhava
até a parada mais próxima, pegava o ônibus até Porto Alegre e depois voltava
para sua casa no bairro Mathias Velho, em Canoas. Seu trajeto não era demorado,
diferente do seu tratamento, que duraria anos. Nesse momento, não haveria
possibilidade de pôr em prática seu único desejo, diversas vezes contado a mim:
viajar e conhecer pontos turísticos do RS, já que seu ''hobbie'' preferido era
fotografar cada paisagem nova que conhecesse.
Ela havia iniciado as sessões de
quimioterapia, pois essa foi a modalidade a qual foi indicada a realizar, já
que, no início daquele ano, havia sido diagnosticada com câncer de mama, do
tipo benigno. No decorrer do tratamento, seu corpo começou a perder resistência
e ficou mais fraco: gripes, resfriados e manchas na pele decorrentes do contato
com raios solares eram alguns dos sintomas de um organismo mais sensível, bem
como o dela havia se tornado. Assim como ela esperava, com o passar do tempo,
seu curto cabelo foi diminuindo ainda mais, até chegar em um patamar em que não
restava mais um único fio em sua cabeça. Após 1 ano e meio de idas e vindas
tratando sua doença, e já quase sem indícios de tumor em consequência de seu
efetivo tratamento, surgiu a oportunidade de uma cirurgia ser realizada: seu
seio seria retirado para diminuir as chances de um novo cisto voltar a
desenvolver-se. Ela, mesmo com medo e receio de aceitar, apesar de aquele
procedimento específico não ser considerado de alto risco, consentiu com a
realização. Seu seio direito foi, então, retirado, o que proporcionou a ela, um
alívio, uma paz que por mais de 18 meses foi impensável possuir. A princípio,
estava tudo resolvido, embora ainda ela devesse tomar medicamentos por mais 5
anos, para diminuir as chances de um possível retorno das células
cancerígenas.
Era ano de Copa do Mundo, a segunda
no Brasil. Depois de passar pela pior fase da sua vida até àquele momento,
minha mãe estava, finalmente, tentando retomá-la saudavelmente. Talvez agora
pudesse ser o momento de iniciar sua viagem e admirar as belezas naturais que o
RS nos proporciona. Entretanto, ela havia ido ao médico, semanas antes do
início dos jogos, queixando-se de tontura e febre depois de anos sem nenhum
sintoma aparente de adoecimento. Então, após uma noite inteira dentro do posto
de saúde, foi constatado que o câncer havia retornado e já tomava conta de seus
pulmões. Infelizmente, o tumor dessa vez havia voltado em um estágio mais
avançado: era maligno. Aquelas péssimas lembranças de fraqueza e sensibilidade
por que passou em consequência das idas e vindas, ao hospital, para o
tratamento, percorreram seus pensamentos; por mais doloroso e cansativo que
fosse, ela teria de repeti-lo. Sobre a possibilidade de realizar seu desejo de
viajar? Não haveria disponibilidade para isso, pois sua atenção novamente
voltava-se para o enfrentamento de um problema de saúde. Ela, enfim, retomou as
sessões de quimioterapia, mas desta vez, por via oral, tomando pílulas
diariamente, pois esta opção acarretaria em sintomas menos agressivos, embora
ainda devesse tratar-se, presencialmente, no hospital, uma vez por mês.
Mesmo com o fato de o tratamento ter
apresentado melhoras significativas no início, seu corpo já não estava mais
aguentando as dores e incômodos após mais 1 ano e meio realizando procedimentos
e avaliações médicas. Depois de 6 anos lutando contra essa doença maligna, minha mãe, com seus 41 anos de idade, veio a
falecer. É triste pensar no fato de que todos nós podemos, a qualquer momento,
enfrentar o desenvolvimento de uma doença e não ter a oportunidade de
aproveitar nossa vida, a qual pode terminar muito cedo. Minha mãe me fez
enxergar, infelizmente através de seu sofrimento, que a vida é muito mais do
que apenas fazer um planejamento, nesse caso, de viagem. A vida é um fator que
está ao alcance de todos, mas não depende única e exclusivamente da nossa
vontade, pois podemos a qualquer momento ter de enfrentar situações delicadas
não tendo a certeza de que sairemos com um final feliz.
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