Aluno 169
1 Versão
Era ano de Copa do Mundo, a
primeira na África do Sul. Naquele momento, seus dois filhos assistiam a uma
partida de futebol pela televisão, em casa, e ela chegou com seu cabelo muito mais
curto do que normalmente costumava deixar. Aqueles fios que sempre foram loiros
e compridos, provenientes de uma família de descendência alemã e polonesa; pela
primeira vez, após 34 anos, estavam dando lugar a um modelo mais modesto, que,
apesar de não demonstrar toda a representatividade que seu cabelo outrora
destacara, não diminuiu de forma alguma a beleza daquela mulher de olhos
verdes. Um de seus filhos perguntou a ela o motivo de tal corte ter-se mostrado
diferente do que ela havia planejado; a mãe do menino respondeu apenas que
ainda não estava preparada, pois não sentiria-se confortável utilizando o
visual primeiramente programado. Seu primeiro pensamento, era o de raspar
completamente seu cabelo. Mas preferiu contar com o ''auxílio'' do tempo, já
que com sua ''ajuda'', eles naturalmente cairiam.
A partir daquele dia, ela
tornou-se uma mulher mais ocupada, estressada e desanimada. Durante cinco dias
por semana, caminhava até a parada mais próxima, pegava o ônibus até Porto
Alegre, e depois voltava para sua casa no bairro Mathias Velho, em Canoas. Seu
trajeto não era demorado, diferente do seu tratamento, que duraria anos. Ela
havia iniciado as sessões de quimioterapia, pois essa foi a modalidade a qual
foi indicada a realizar, já que, no início daquele ano, havia sido
diagnosticada com câncer de mama do tipo benigno. No decorrer do tratamento,
seu corpo começou a perder resistência e ficou mais fraco. Gripes, resfriados e
manchas na pele decorrentes do contato com raios solares eram alguns dos
sintomas de um organismo mais sensível, bem como o dela havia se tornado. Assim
como ela esperava, com o passar do tempo, seu curto cabelo foi diminuindo ainda
mais, até chegar em um patamar em que não restava mais um único fio em seu
couro cabeludo. Após 1 ano e meio de idas e vindas tratando sua doença, e já
quase sem indícios de tumor em consequência de seu efetivo tratamento, surgiu a
oportunidade de uma cirurgia ser realizada, Seu seio seria retirado para diminuir
as chances de um novo cisto voltar a desenvolver-se. Ela, mesmo com medo e
receio de aceitar, apesar de aquele procedimento específico não ser considerado
de alto risco, consentiu com a realização. Seu seio direito foi, então,
retirado, o que proporcionou a ela, um alívio, uma paz que por mais de 12 meses
foi impensável possuir. Sua felicidade e disposição voltaram a ser demonstradas
no dia a dia. A princípio, estava tudo resolvido, embora ainda ela devesse
tomar medicamentos por mais 5 anos, para diminuir as chances de um possível
retorno das células cancerígenas.
Era ano de Copa do Mundo, a
segunda vez no Brasil. A loira de olhos verdes, agora com seu cabelo novamente
comprido, como foi por durante quase toda sua vida, que deixava qualquer homem
boquiaberto ao passar por perto, estava deitada em sua cama. Seu filho mais
velho entra no quarto e percebe em seu rosto um semblante de tristeza. Ao
perguntar a ela o motivo do desânimo, sua mãe responde que não estava
sentindo-se muito bem. Após alguns segundos de silêncio, ela fala: ''Voltou,
filho''. Mais alguns segundos de silêncio se passam. O rapaz, após refletir
sobre o que sua mãe o havia dito, andou depressa em direção a ela e deu-lhe um
abraço apertado, com lágrimas nos olhos, mas sem saber o que dizer para
confortá-la. Infelizmente, o tumor dessa vez havia voltado em um estágio mais
avançado. Era maligno. A mãe do rapaz havia ido ao médico semanas antes,
queixando-se de tontura e febre. Após uma noite inteira dentro do posto de
saúde, foi constatado que o câncer havia retornado e já tomava conta de seus
pulmões. Aquelas péssimas lembranças de fraqueza e sensibilidade, de idas e
vindas ao hospital para o tratamento, e uma das coisas mais importantes para
uma mulher, o seu cabelo, que teria de ser cortado de novo, percorreram sua
cabeça. Ela não aguentaria passar por todos os procedimentos mais uma vez,
seria muito doloroso e cansativo repeti-los. Mas sabia, também, que sua vida
era mais importante que todos os problemas. Então, se tivesse que recomeçar
tudo do zero, ela recomeçaria. E foi o que fez. Retomou as sessões de
quimioterapia, mas desta vez, por via oral, tomando pílulas diariamente, pois
esta opção não acarretaria na queda de seu cabelo pela segunda vez. Mesmo com o
fato de o tratamento ter apresentado melhoras significativas no início, seu
corpo já não estava mais aguentando as dores e incômodos após mais 1 ano e meio
realizando procedimentos e avaliações médicas. Depois de 6 anos lutando contra
essa doença maligna, que trouxe muita tristeza e preocupação em sua vida, a
mulher dos olhos verdes e de cabelos loiros, mas que já apresentava algumas
raízes brancas nos últimos meses, decorrentes de seus 41 anos de idade, veio a
falecer.
É dolorido pensar que com uma
vida tão curta, nós deixamos de aproveitar diversas ocasiões que a vida pode
nos proporcionar. Apesar de existir uma ordem natural da vida: o nascimento, o
crescimento e o desenvolvimento, a morte pode aparecer a qualquer momento
alterando essa chamada ordem natural. A mulher dos olhos verdes não teve a
oportunidade de realizar seu desejo, por mais simples que fosse. Ela sempre
disse que gostaria de viajar e conhecer pontos turísticos aqui mesmo, dentro do
Rio Grande do Sul. Afinal, tirar fotos era um de seus hobbies preferidos. Mais dolorido ainda, é pensar que ano que vem
será ano de Copa do Mundo. Um ano que me trará lembranças de que a cada 4 anos,
minha mãe descobria uma nova batalha para enfrentar em sua vida. Minha mãe, a
mulher dos olhos verdes e de cabelos loiros.
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