sábado, 3 de junho de 2017

O valor de uma vida

Aluno 169
1 Versão


Era ano de Copa do Mundo, a primeira na África do Sul. Naquele momento, seus dois filhos assistiam a uma partida de futebol pela televisão, em casa, e ela chegou com seu cabelo muito mais curto do que normalmente costumava deixar. Aqueles fios que sempre foram loiros e compridos, provenientes de uma família de descendência alemã e polonesa; pela primeira vez, após 34 anos, estavam dando lugar a um modelo mais modesto, que, apesar de não demonstrar toda a representatividade que seu cabelo outrora destacara, não diminuiu de forma alguma a beleza daquela mulher de olhos verdes. Um de seus filhos perguntou a ela o motivo de tal corte ter-se mostrado diferente do que ela havia planejado; a mãe do menino respondeu apenas que ainda não estava preparada, pois não sentiria-se confortável utilizando o visual primeiramente programado. Seu primeiro pensamento, era o de raspar completamente seu cabelo. Mas preferiu contar com o ''auxílio'' do tempo, já que com sua ''ajuda'', eles naturalmente cairiam.
A partir daquele dia, ela tornou-se uma mulher mais ocupada, estressada e desanimada. Durante cinco dias por semana, caminhava até a parada mais próxima, pegava o ônibus até Porto Alegre, e depois voltava para sua casa no bairro Mathias Velho, em Canoas. Seu trajeto não era demorado, diferente do seu tratamento, que duraria anos. Ela havia iniciado as sessões de quimioterapia, pois essa foi a modalidade a qual foi indicada a realizar, já que, no início daquele ano, havia sido diagnosticada com câncer de mama do tipo benigno. No decorrer do tratamento, seu corpo começou a perder resistência e ficou mais fraco. Gripes, resfriados e manchas na pele decorrentes do contato com raios solares eram alguns dos sintomas de um organismo mais sensível, bem como o dela havia se tornado. Assim como ela esperava, com o passar do tempo, seu curto cabelo foi diminuindo ainda mais, até chegar em um patamar em que não restava mais um único fio em seu couro cabeludo. Após 1 ano e meio de idas e vindas tratando sua doença, e já quase sem indícios de tumor em consequência de seu efetivo tratamento, surgiu a oportunidade de uma cirurgia ser realizada, Seu seio seria retirado para diminuir as chances de um novo cisto voltar a desenvolver-se. Ela, mesmo com medo e receio de aceitar, apesar de aquele procedimento específico não ser considerado de alto risco, consentiu com a realização. Seu seio direito foi, então, retirado, o que proporcionou a ela, um alívio, uma paz que por mais de 12 meses foi impensável possuir. Sua felicidade e disposição voltaram a ser demonstradas no dia a dia. A princípio, estava tudo resolvido, embora ainda ela devesse tomar medicamentos por mais 5 anos, para diminuir as chances de um possível retorno das células cancerígenas.
Era ano de Copa do Mundo, a segunda vez no Brasil. A loira de olhos verdes, agora com seu cabelo novamente comprido, como foi por durante quase toda sua vida, que deixava qualquer homem boquiaberto ao passar por perto, estava deitada em sua cama. Seu filho mais velho entra no quarto e percebe em seu rosto um semblante de tristeza. Ao perguntar a ela o motivo do desânimo, sua mãe responde que não estava sentindo-se muito bem. Após alguns segundos de silêncio, ela fala: ''Voltou, filho''. Mais alguns segundos de silêncio se passam. O rapaz, após refletir sobre o que sua mãe o havia dito, andou depressa em direção a ela e deu-lhe um abraço apertado, com lágrimas nos olhos, mas sem saber o que dizer para confortá-la. Infelizmente, o tumor dessa vez havia voltado em um estágio mais avançado. Era maligno. A mãe do rapaz havia ido ao médico semanas antes, queixando-se de tontura e febre. Após uma noite inteira dentro do posto de saúde, foi constatado que o câncer havia retornado e já tomava conta de seus pulmões. Aquelas péssimas lembranças de fraqueza e sensibilidade, de idas e vindas ao hospital para o tratamento, e uma das coisas mais importantes para uma mulher, o seu cabelo, que teria de ser cortado de novo, percorreram sua cabeça. Ela não aguentaria passar por todos os procedimentos mais uma vez, seria muito doloroso e cansativo repeti-los. Mas sabia, também, que sua vida era mais importante que todos os problemas. Então, se tivesse que recomeçar tudo do zero, ela recomeçaria. E foi o que fez. Retomou as sessões de quimioterapia, mas desta vez, por via oral, tomando pílulas diariamente, pois esta opção não acarretaria na queda de seu cabelo pela segunda vez. Mesmo com o fato de o tratamento ter apresentado melhoras significativas no início, seu corpo já não estava mais aguentando as dores e incômodos após mais 1 ano e meio realizando procedimentos e avaliações médicas. Depois de 6 anos lutando contra essa doença maligna, que trouxe muita tristeza e preocupação em sua vida, a mulher dos olhos verdes e de cabelos loiros, mas que já apresentava algumas raízes brancas nos últimos meses, decorrentes de seus 41 anos de idade, veio a falecer.
É dolorido pensar que com uma vida tão curta, nós deixamos de aproveitar diversas ocasiões que a vida pode nos proporcionar. Apesar de existir uma ordem natural da vida: o nascimento, o crescimento e o desenvolvimento, a morte pode aparecer a qualquer momento alterando essa chamada ordem natural. A mulher dos olhos verdes não teve a oportunidade de realizar seu desejo, por mais simples que fosse. Ela sempre disse que gostaria de viajar e conhecer pontos turísticos aqui mesmo, dentro do Rio Grande do Sul. Afinal, tirar fotos era um de seus hobbies preferidos.  Mais dolorido ainda, é pensar que ano que vem será ano de Copa do Mundo. Um ano que me trará lembranças de que a cada 4 anos, minha mãe descobria uma nova batalha para enfrentar em sua vida. Minha mãe, a mulher dos olhos verdes e de cabelos loiros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário