1 Versão
aluno 140
Eu
sempre fui muito curiosa; eu sempre tive, desde bem pequena, o que os adultos
chamavam de “imaginação ativa”. E esse mundo imaginário imenso pulsava e lutava
para extrapolar os limites da minha pequenez de criança.
O primeiro passo foi dado sobre o
carpete da sala. Das minhas memórias primordiais uma das mais vivas é o cheiro
dos blocos de madeira do alfabeto. Eu logo aprendi que os sinais coloridos não
eram só desenhos sem sentido, mas elementos de um código secreto que os adultos
usavam para esconder de mim os mistérios de um mundo que ainda não era meu. Eu
os alinhava lado a lado, no chão, antes de listar para minha mãe todas as
palavras que começavam com aquela letra:
“C é de casa, de cachorro, de cama, de...”. Outra coisa que eu aprendi
rápido foi que os adultos não tinham muita paciência para tal empreitada.
Sendo assim, quando as letras
tornaram-se familiares e as palavras e frases começaram a fluir da ponta do meu
lápis para o papel, decidi que contar minhas histórias para os adultos – eu era
uma criança sem muitos amigos da minha idade – era uma perda de tempo, além de
uma perda de histórias. Uma história perdida era quase tão triste quanto uma
história nunca contada, e quando devidamente registradas elas tinham a
possibilidade de um dia serem lidas por indivíduos mais curiosos do que aqueles
que me rodeavam.
Comecei, então, minha pequena
fábrica de livros. Era muito importante que tivessem tudo aquilo que os livros
da livraria tinham: capa, contracapa, índice, ilustrações. Dependendo da
quantidade de personagens eu até incluía um pequeno referencial com os perfis
de cada um, a fim de facilitar o acompanhamento da história. Eram todas
fantásticas, falando de bruxas e piratas e aventureiros, de mistérios a serem
decifrados em lugares distantes.
Eu carregava meus livros para a
escola, procurando aprovação de algum lugar, embora minha coleção me bastasse
para preencher um vazio que eu não sabia bem nomear. Ganhei elogios e até uma
acusação de plágio – foi como uma faca sendo enterrada no meu coração e eu não
descansei até provar, com a ajuda das devidas testemunhas, que eu escrevera
tudo sozinha, sem copiar de lugar nenhum.
Além das histórias fantásticas eu
produzi um número vasto de diários. Estes também eram ilustrados (alguns dos
registros tinham sugestão de trilha sonora), e foram cruciais para a minha
decisão do fim da adolescência de que não havia opção senão trabalhar com
palavras na vida adulta.
Dos cursos universitários que
envolviam palavras, Jornalismo foi o aceito pelos meus pais. Vieram, então, as
primeiras críticas sérias ao meu trabalho, e eu percebi que finalmente minhas
histórias estavam sendo não só ouvidas, como também lidas, assistidas e
comentadas. Meus personagens agora eram pessoas reais e suas aventuras nem
sempre fantásticas (só às vezes).
A imensidão das histórias tinha
finalmente extrapolado minha pequenez. Hoje, eu sigo sendo muito curiosa, mas
tenho que admitir que sigo sendo um tanto pequena; jogar o verbo na página
ainda é necessário para fazer espaço dentro de mim.
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