quinta-feira, 1 de junho de 2017

1 Versão
aluno 140


Eu sempre fui muito curiosa; eu sempre tive, desde bem pequena, o que os adultos chamavam de “imaginação ativa”. E esse mundo imaginário imenso pulsava e lutava para extrapolar os limites da minha pequenez de criança.
            O primeiro passo foi dado sobre o carpete da sala. Das minhas memórias primordiais uma das mais vivas é o cheiro dos blocos de madeira do alfabeto. Eu logo aprendi que os sinais coloridos não eram só desenhos sem sentido, mas elementos de um código secreto que os adultos usavam para esconder de mim os mistérios de um mundo que ainda não era meu. Eu os alinhava lado a lado, no chão, antes de listar para minha mãe todas as palavras que começavam com aquela letra:  “C é de casa, de cachorro, de cama, de...”. Outra coisa que eu aprendi rápido foi que os adultos não tinham muita paciência para tal empreitada.
            Sendo assim, quando as letras tornaram-se familiares e as palavras e frases começaram a fluir da ponta do meu lápis para o papel, decidi que contar minhas histórias para os adultos – eu era uma criança sem muitos amigos da minha idade – era uma perda de tempo, além de uma perda de histórias. Uma história perdida era quase tão triste quanto uma história nunca contada, e quando devidamente registradas elas tinham a possibilidade de um dia serem lidas por indivíduos mais curiosos do que aqueles que me rodeavam.
            Comecei, então, minha pequena fábrica de livros. Era muito importante que tivessem tudo aquilo que os livros da livraria tinham: capa, contracapa, índice, ilustrações. Dependendo da quantidade de personagens eu até incluía um pequeno referencial com os perfis de cada um, a fim de facilitar o acompanhamento da história. Eram todas fantásticas, falando de bruxas e piratas e aventureiros, de mistérios a serem decifrados em lugares distantes.
            Eu carregava meus livros para a escola, procurando aprovação de algum lugar, embora minha coleção me bastasse para preencher um vazio que eu não sabia bem nomear. Ganhei elogios e até uma acusação de plágio – foi como uma faca sendo enterrada no meu coração e eu não descansei até provar, com a ajuda das devidas testemunhas, que eu escrevera tudo sozinha, sem copiar de lugar nenhum.
            Além das histórias fantásticas eu produzi um número vasto de diários. Estes também eram ilustrados (alguns dos registros tinham sugestão de trilha sonora), e foram cruciais para a minha decisão do fim da adolescência de que não havia opção senão trabalhar com palavras na vida adulta.
            Dos cursos universitários que envolviam palavras, Jornalismo foi o aceito pelos meus pais. Vieram, então, as primeiras críticas sérias ao meu trabalho, e eu percebi que finalmente minhas histórias estavam sendo não só ouvidas, como também lidas, assistidas e comentadas. Meus personagens agora eram pessoas reais e suas aventuras nem sempre fantásticas (só às vezes).
            A imensidão das histórias tinha finalmente extrapolado minha pequenez. Hoje, eu sigo sendo muito curiosa, mas tenho que admitir que sigo sendo um tanto pequena; jogar o verbo na página ainda é necessário para fazer espaço dentro de mim.

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