1 Versão
Aluno 174
Eu achei um pequeno caderno amarelo.
Nele haviam pensamentos e pequenas histórias. Porém, não havia nome. Como eu ia
saber quem era para devolver? E será que eu queria devolver? Eu gostei daquelas
histórias e anedotas que me reconfortaram de alguma forma. Não estava tendo um
dia bom e aquele encontro com o caderno foi a melhor coisa que poderia ter
acontecido. Em cada página havia um pequeno desenho que ia se completando com o
meu folhear. Frases perspicazes que me traziam sorrisos no rosto. Pequenas
histórias que me faziam lembrar da infância e da simplicidade dos seus
dias.
O desenho completo formava dois
rostos com traços simples e marcantes. A expressão de cada um era diferente,
mas ambos estavam felizes. O rosto da esquerda era mais novo e usava um óculos.
O da direita era mais velho, com marcas de expressão e uma pequena mancha ao
lado da boca. Um fato curioso é que eu não conseguia fazer a distinção de homem
ou mulher e parecia que eu já os havia visto por ai.
O caderno amarelo trazia mistérios
além dos desenhos. As frases me remetiam coisas boas e me proporcionavam
pensamentos questionadores, dúvidas que eu não tinha há muito tempo. Como anda
a minha vida? Por que eu vivo desta forma e não de outra? Quando olhar para os
lados deixou de se tornar importante? Sou superior aos outros, por isso não sou
empática? Por que eu tive que achar um
caderno para notar algo além de mim? Onde é que eu estou nos caminhos da vida?
Curioso como esse caderno me fez
pensar tanto, durante tão pouco tempo, comecei a observar o espaço em que eu
estava e percebi olhares e situações que antes me deixavam feliz e um tanto
curiosa. Um senhor sentado jogando damas no celular (fiquei sabendo porque ele
estava gritando com a "máquina do demônio"), uma mãe e um filho de
costas observando uma fotografia da Anne Guedes, um homem tentando chamar a
atenção de um pássaro na janela, momentos simples e pequenos que eu já não
percebia mais.
Olhei novamente para o caderno e me
questionei, quem poderia ter deixado isso aqui? Penso que deveria devolvê-lo,
mas também penso que invadi o espaço pessoal da pessoa ao ler suas
confidências. Fico com essa dúvida na cabeça e vejo que a mãe e o menino
sentaram ao meu lado. Percebo que conheço eles de algum lugar, o óculos e a
mancha ao lado da boca. Eles são os desenhos. Eles são as histórias. Eles são o
caderno amarelo que tanto me encantou.
Ao perceber isso, me aproximo dos
dois e tento entregar a eles o caderno. A mulher diz que não sabe o que é e o
menino confirma com a cabeça. Logo depois, eles são chamados pela Dra.
Alvarenga e eu fico com o caderno. De quem será então? Quem me fez pensar em
tudo o que eu sou? A pessoa deve estar ali em algum lugar. Continuo pensando e
coloco o caderno amarelo em cima da mesa de centro, pensando que ninguém ia
pegar.
Nisso, a moça da limpeza entra no
consultório varrendo o chão e observando os arredores. Percebo que ninguém a
nota, todos continuam fazendo suas coisas um tanto inúteis. Em alguns momentos,
ela tenta sorrir para alguém, porém não acha ninguém que olhe para ela. Durante
um segundo ela vira para mim e eu olhando para ela, sorrio. A sua expressão
muda completamente, fica radiante. Volto aos meus pensamentos e quase não noto
quando ela pega o caderno da mesa e coloca no seu bolso.
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