sábado, 3 de junho de 2017

Vestido Vermelho:

Aluno 158
Reescrita


     Ela tinha 25 anos quando saiu de casa, e fez questão de deixar tudo que lembrava ele para trás. Minha dinda, irmã do meu pai, sempre foi a pessoa adulta que eu mais gostei. Ela estudava muito, trabalhava muito e principalmente sempre me tratou como adulta também. Não que ela me cobrasse uma maturidade que eu não tinha, mas fazia questão que eu pensasse sozinha e sentisse orgulho de mim mesma. O que eu não sabia é que ela estava em um relacionamento, de 10 anos, o qual não conseguia sair.
   Eles se conheceram quando ela tinha apenas 14 anos, eram vizinhos, e ficaram juntos até o dia que minha dinda se mudou. Eu o conheci, e adorava ele, todos adoravam, todos diziam que sairia casamento, filhos e tudo mais e fiquei extremamente chateada quando se separaram, até o dia que realmente soube de verdade sobre o namoro. Eu tinha 15 anos, quando fui visitar meus avós, como de costume. Entrei na antiga casinha nos fundos do terreno, onde morou minha bisavó. La dentro tinha muitas e muitas caixas e percebi que eram todas de minha tia. Perguntei a minha avó se ela não voltaria para buscar e ela disse “não vai não, isso é tudo que lembra ele”.
   Na hora não entendi porque ela não queria lembrar, a ponto de deixar tantas coisas lá, sabia que términos de relacionamentos nunca eram legais, mas acompanhar a trajetória de Karina e seu namorado me fez reparar melhor no peso que um relacionamento tem em nossas vidas. Enquanto eu olhava o interior das caixas minha avó me dizia para tentar lembrar melhor de algumas cenas dos dois que eu presenciei, algumas brigas aleatórias me vieram na cabeça, porém me recordei mais claramente do seguinte episódio: Eu estava na casa de meus avós esperando Karina ficar pronta, pois iríamos no aniversário  do meu priminho. Quando ela saiu do quarto vestia um vestido vermelho e segurava alguns cadernos da faculdade, lembro que tinham a capa do Mickey até hoje. Ela estava linda. Até que seu namorado perguntou o que ela estava fazendo que além de vestir vermelho, levava coisas para estudar e ele não aprovava nenhuma.
   Não entendi o problema que ele via naquelas coisas, era uma roupa bonita e estudantes sempre usam todo tempo extra para estudar. Ela claramente se sentiu mal com o questionamento e buscou um casaco para cobrir o vestido, percebeu também minha expressão desentendida e disse rapidamente que apenas percebeu que estava frio. Relembrando o ocorrido entendi que ela não queria me dar esse exemplo, de alguém que se modifica apenas para agradar outro alguém, e ela conseguiu.
   Naquela noite eu dormi lá e encontrei minha dinda chorando sentada na cama. Na minha ingenuidade infantil apenas sentei ao seu lado e fiquei. Depois que ela se acalmou perguntei o que houve e ela disse: “a dinda nunca fez nada por ela, mas agora ela vai, e tu também”. Essa noite ocorreu quando eu tinha 10 anos, 2007, Karina tinha 25, a diferença de idade é grande e aquelas palavras estavam além da minha compreensão. Avançando para 2012, quando eu revirava as caixas e tentava compreender o ocorrido, percebi que minha tia não se referia apenas ao fato do vestido, mas a muitas outras coisas que ela deixou de fazer por causa de seu relacionamento. A tristeza dela naquela noite realmente me marcou, e presenciar o erro dela fez com que eu não quisesse cometer também.
   Voltando a lembrar do dia do aniversário, lembrei-me dela sentada lendo várias folhas no fim da festa e agora, além do vestido, seu batom também era vermelho. Em 2012 encontrei diários e várias cartas, mas não li nada. Não valia a pena relembrar algo que a fez tão mal. Até porque, o dia do aniversário foi provavelmente nada comparado ao que ela viveu e eu não soube.
   Depois de me dizer aquelas palavras, ela fez, e fez muito. Separou-se daquele que só a fazia mal e encontrou alguém que a ame e respeite verdadeiramente. Formou-se, se mudou, trocou de emprego e viveu toda sua adolescência perdida. Quando parei para recordar o relacionamento deles, em minha memória poderiam ter vindo várias discussões e gritos, mas o dia do vestido vermelho me marcou, pois foi quando ela teve coragem de mostrar que sabia pensar sozinha e sentir orgulho de si mesma, como me ensinara. Ela não me ensinou a ter essa coragem, me mostrou, meio sem querer, pois desde sempre queria que eu não precisasse aprender. Suas palavras me trouxeram muito aprendizado mas sua experiência que esclareceu suas palavras na minha cabeça.
   Atualmente, 2017, garanti minha primeira grande conquista, a de ingressar na universidade que tanto desejava, todas minhas conquistas e meus orgulhos me lembraram ela. Foi também o ano que Karina me ligou anunciando sua gravidez, depois de três longos anos de tentativas. Agora vira mais uma geração da família, que será ensinada sempre a fazer coisas para si mesmo. Isso tudo porque ela teve coragem de deixar tudo que lembrava ele para trás.






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