sábado, 3 de junho de 2017

Azul Turquesa

Aluno 163
1 Versõ




O nome dela era Clara, o apelido Clarinha. Ela era uma menina quietinha, sem muitos amigos nem sorrisos. Estudava na única escola particular do bairro e parecia estar sempre ocupada; andando apressada de um lado pra outro sem tempo de cumprimentar os conhecidos.
Ninguém sabia muita coisa sobre a Clarinha e o pouco que comentavam se resumia ao que os vizinhos do prédio haviam contado. No apartamento, moravam só ela e o pai, a mãe tinha morrido há muito tempo, provavelmente no parto da única filha. Seu pai, o Francisco, já carregava cabelos brancos e estava pra se aposentar no banco. Clotilde, a vizinha de porta dos dois, dizia que eles eram educados, mas muito calados.
O que dona Clotilde ainda não havia percebido era que Clara além de ser meio tímida era meio feia. Seus cabelos escuros pareciam estar sempre sem brilho, mesmo que a garota os hidratasse duas vezes por semana. Clarinha tentava esconder por de baixo do uniforme da escola, dois tamanhos maiores, a barriga rechonchuda cheia de dobras. Contudo, o que ela mais detestava era seu rosto; não gostava do formato da sua boca, do tamanho das suas bochechas, do comprimento do seu nariz e menos ainda da sua testa coberta pela franja. A aversão que ela tinha de si mesma era tanta que beirava ao ódio.
Clarinha não conseguia se olhar no espelho por mais do que meia dúzia de minutos nem espiar por cima do ombro seu reflexo nos vidros das lojas. Não gostava também que as pessoas olhassem por muito tempo, tinha certeza de que eles veriam a mesma coisa que ela via, a sua feiura. No fundo, tudo que Clara queria era ser um pouquinho parecida com as garotas que via na televisão e nas revistas, ter cabelos sedosos, corpo malhado e um rosto que as pessoas achassem bonito.
Tudo ia mal, até o dia que ela conheceu Valentina, uma aluna transferida de São Paulo. A primeira coisa que Clara notou na garota foi seus cabelos azul turquesa, a segunda foi o piercing na sobrancelha. Ela usava também uma versão estilizada do uniforme obrigatório do colégio, a camiseta de mangas curtas tinha virado uma regata e sua gola apertada um decote em formato de V, que deixava a mostra um top de renda. Todos na turma encaravam a novata da mesma forma: com surpresa e apreensão.
Valentina devia estar acostumada a receber aquele tipo de atenção porque em nenhum momento pareceu acuada ou desconfortável. Ao contrário de Clarinha, que não soube o que fazer quando o professor pediu que compartilhasse seu livro com a garota. No entanto, ela não teve que fazer coisa alguma, Valentina se encarregou de quebrar o gelo e em alguns minutos já estavam conversando como grandes amigas, como de fato seriam.
O que Clarinha também não sabia naquele momento, era que este pequeno acontecimento, a chegada da novata de cabelos coloridos, a mudaria tanto por dentro quanto por fora e ela aprenderia a se gostar. Mas Clara teria que ter paciência, isso não aconteceria da noite pro dia; seria aos poucos.
Primeiro, Valentina enfiaria na cabeça dela que padrões de beleza não serviam pra nada, e Clarinha começaria odiá-los também. Em seguida, a amiga insistiria que encarasse seu reflexo no espelho até não se sentir incomodada, então, tudo que um dia achou que era horrível, vai ficar menos feio. Mas Clarinha ainda cresceria mais alguns centímetros, deixaria a franja crescer e descobriria o batom vermelho antes de se aceitar e começar a sorrir pra si mesma. 

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