Aluno 163
1 Versõ
O nome dela era Clara, o apelido Clarinha. Ela era uma
menina quietinha, sem muitos amigos nem sorrisos. Estudava na única escola
particular do bairro e parecia estar sempre ocupada; andando apressada de um
lado pra outro sem tempo de cumprimentar os conhecidos.
Ninguém sabia muita coisa sobre a Clarinha e o pouco que
comentavam se resumia ao que os vizinhos do prédio haviam contado. No
apartamento, moravam só ela e o pai, a mãe tinha morrido há muito tempo,
provavelmente no parto da única filha. Seu pai, o Francisco, já carregava
cabelos brancos e estava pra se aposentar no banco. Clotilde, a vizinha de
porta dos dois, dizia que eles eram educados, mas muito calados.
O que dona Clotilde ainda não havia percebido era que Clara
além de ser meio tímida era meio feia. Seus cabelos escuros pareciam estar
sempre sem brilho, mesmo que a garota os hidratasse duas vezes por semana.
Clarinha tentava esconder por de baixo do uniforme da escola, dois tamanhos
maiores, a barriga rechonchuda cheia de dobras. Contudo, o que ela mais
detestava era seu rosto; não gostava do formato da sua boca, do tamanho das
suas bochechas, do comprimento do seu nariz e menos ainda da sua testa coberta
pela franja. A aversão que ela tinha de si mesma era tanta que beirava ao ódio.
Clarinha não conseguia se olhar no espelho por mais do que
meia dúzia de minutos nem espiar por cima do ombro seu reflexo nos vidros das
lojas. Não gostava também que as pessoas olhassem por muito tempo, tinha
certeza de que eles veriam a mesma coisa que ela via, a sua feiura. No fundo,
tudo que Clara queria era ser um pouquinho parecida com as garotas que via na
televisão e nas revistas, ter cabelos sedosos, corpo malhado e um rosto que as
pessoas achassem bonito.
Tudo ia mal, até o dia que ela conheceu Valentina, uma aluna
transferida de São Paulo. A primeira coisa que Clara notou na garota foi seus
cabelos azul turquesa, a segunda foi o piercing na sobrancelha. Ela usava
também uma versão estilizada do uniforme obrigatório do colégio, a camiseta de
mangas curtas tinha virado uma regata e sua gola apertada um decote em formato
de V, que deixava a mostra um top de renda. Todos na turma encaravam a novata
da mesma forma: com surpresa e apreensão.
Valentina devia estar acostumada a receber aquele tipo de
atenção porque em nenhum momento pareceu acuada ou desconfortável. Ao contrário
de Clarinha, que não soube o que fazer quando o professor pediu que
compartilhasse seu livro com a garota. No entanto, ela não teve que fazer coisa
alguma, Valentina se encarregou de quebrar o gelo e em alguns minutos já
estavam conversando como grandes amigas, como de fato seriam.
O que Clarinha também não sabia naquele momento, era que
este pequeno acontecimento, a chegada da novata de cabelos coloridos, a mudaria
tanto por dentro quanto por fora e ela aprenderia a se gostar. Mas Clara teria
que ter paciência, isso não aconteceria da noite pro dia; seria aos poucos.
Primeiro, Valentina enfiaria na cabeça dela que padrões de
beleza não serviam pra nada, e Clarinha começaria odiá-los também. Em seguida,
a amiga insistiria que encarasse seu reflexo no espelho até não se sentir
incomodada, então, tudo que um dia achou que era horrível, vai ficar menos
feio. Mas Clarinha ainda cresceria mais alguns centímetros, deixaria a franja
crescer e descobriria o batom vermelho antes de se aceitar e começar a sorrir
pra si mesma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário