Aluno 152
1 Versão
“Filha,
hoje tu vai pra casa com o teu irmão, teu pai ta no hospital”. Quando minha mãe
me disse isso, eu tinha exatos 11 anos e, mesmo sendo uma criança, comecei a
pensar em todas as possibilidades que poderiam ter acontecido: doença, acidente
e até mesmo abdução alienígena, tudo que já tinha visto em filmes se passou
pela minha cabeça. Contudo, a fim de me tranquilizar, meu irmão mais velho
falou “Não te preocupa, foi só uma crise de estresse, assunto entre ele e a
mãe.”, palavras que não fizeram o mínimo sentido pra mim na época e que optei
por ignorar, já que algumas horas depois meu pai estava de volta em casa.
Os
dias passaram e tudo, ou quase tudo, parecia normal. Eu acordava pela manhã,
chegava na cozinha e tomava café enquanto meu pai lia o jornal, sentado à ponta
da mesa, depois vestia meu uniforme e ia pra escola. A única diferença era na
volta da aula, que se dava na companhia do meu irmão e não mais de minha mãe,
como era antes do incidente. Eu percebia que a tarde transcorria, a noite
chegava e a janta não tinha mais o mesmo sabor, pois agora era meu pai que
cozinhava. Era apenas já na hora de dormir que eu via minha mãe de novo, ela
chegava passo a passo, leve e delicada como uma das fadas que eu tanto admirava
nos livros infantis.
O
momento em que me dei conta do que estava ocorrendo foi quando, sentada à mesa
da sala, fazendo os trabalhos da escola no final de semana, minha mãe chegou em
mim e disse algo que eu nunca imaginava ouvir: “Filha, como se resolve uma
fórmula de Bhaskara?”. Após alguns segundos, atônita e sem compreender a
pergunta, eu associei às informações dos últimos dias e minha mente explodiu em
surpresa e alegria, como se existissem dentro de mim diversos fogos de
artifício, coloridos e barulhentos. Minha mãe, com 46 anos, tinha voltado a
estudar. Eu estava extasiada com essa novidade, achava lindo ela finalmente
alcançar isso, já que havia sido retirada da escola depois de completar a
quarta série, pois segundo seus pais, era o suficiente que ela precisava
aprender. E, infelizmente, parecia que meu pai partilhava da mesma ideia, já
que sempre mencionava as aulas dela como algo negativo. “Ela não está em casa
para cuidar da família”, “Fazer comida é função de mulher” e “Estudar nessa
idade é só pra chamar atenção” eram algumas das frases que ele proferia, com
amargura e dor na voz, como se cada palavra fosse uma espada em seu próprio
peito.
Desse
modo, tive meu segundo baque com a realidade, esse havia sido o motivo pelo
qual ele foi para o hospital, a simples ideia de sua esposa estar fora de casa
a noite deixou-o tão perturbado que seu corpo e mente não resistiram e sucumbiu
a uma crise nervosa. Minha mãe é apenas mais uma das mulheres pelo mundo que
passaram e ainda passam por esse abuso dentro do leito familiar todos os dias ao
longo dos anos. Contudo, no caso de minha mãe, sua trajetória teve um final
feliz, pois com o apoio diário meu e de meu irmão, ela arranjou forças para
terminar o ensino fundamental e médio.
Hoje,
minha mãe não estuda mais e meu pai mudou um pouco da sua postura autoritária,
mas todo esse episódio foi essencial para o meu amadurecimento. Com esse
fragmento da história de vida da mulher que tanto admiro, recebi lições de
imensurável importância, como por exemplo, da força que sempre podemos
encontrar dentro de nós para alcançar nossos objetivos, mesmo que as pessoas
que deveriam, supostamente te apoiar, estejam contra ti. Além disso, o ponto
mais significativo para mim é que a idade nunca será um empecilho real para
buscar um sonho e que não há pessoa no mundo que esteja certa em dizer que há
“lugar de mulher” para algo na sociedade. Cada ser humano é responsável pelas
suas aspirações e seus desejos e ninguém mais tem a ver com essa decisão.
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