Aluno 148
1 Versão
Durante
meus dezoito anos de vida, nunca conheci uma criança que não acreditasse em
super-heróis. Desde muito cedo na infância somos apresentados à ideia da
existência de pessoas que, munidas de superpoderes diversos, como teias de
aranha incrivelmente resistentes que saem de seus pulsos ou um corpo forte como
aço, podem salvar o mundo de suas mazelas. Consequentemente, passamos a
acreditar com veemência em um mundo o qual essas pessoas existem e, inclusive,
temos vontade de ser como eles; usamos fantasias, máscaras, corremos pela rua
com uma mão para cima e outra na cintura, mimetizando a imponência de Clark
Kent ao sobrevoar os céus.
Porém, notem que na minha frase digo
nunca ter conhecido uma criança que
não acreditasse em super-heróis, porque ao longo do nosso crescimento vamos
abandonando essa crença e, se isso não acontece, é bem provável que você acabe
sendo o infantil da turminha. Então aí é que entram nossos pais, tios, avós,
avôs, os quais cumprem a delicada função de pegar em nossas mãozinhas fofinhas
e sujas de areia e dizer: “Talvez isso de voar não exista” e desse momento em
diante estamos por nossa conta, no caminho para lidar com a enxurrada de
desilusões que o futuro traz.
Agora
eu sei que isso de voar não existe mesmo e que, infelizmente, se eu for picada
por uma aranha não vou soltar teias e escalar prédios como Peter Parker, mas
também sei que a definição de herói é subjetiva. Confesso ter demorado um bom
tempo para chegar a essa conclusão da subjetividade, que foi com mais ou menos doze
anos, quando minha mãe, com quarenta, resolveu voltar a estudar.
Fernanda,
minha mãe, sempre teve que se esforçar para conseguir as coisas porque sua
vida, sendo uma mulher e ainda por cima de família humilde, não foi exatamente
fácil e isso acabou a impossibilitando de cursar um ensino superior. Além
disso, logo após ter se formado no Ensino Médio, com a mesma idade que eu ao
escrever este texto, ficou grávida da minha irmã e, quatro anos depois do meu
irmão, e sete anos depois dele, de mim e, assim, a faculdade se afastava cada
vez mais, foco sendo cuidar de nós três. Entretanto, minha mãe nunca reclamou
da tarefa exaustiva que era lidar com três filhos temperamentais e pode-se
dizer que executou essa tarefa com excelência, pois hoje somos pessoas de bom
caráter, bochechas coradas e com sorrisos no rosto.
Era
natural que, depois de cuidar de nós por longos anos, era hora de Fernanda cuidar
dela mesma, mas na época que minha mãe decidiu se inscrever para um curso de
Técnica em Nutrição eu achei loucura. Além do cansativo e mal-pago trabalho de
telemarketing que ela fazia, ainda teria que estudar, fazer provas, trabalhos,
coisas que eu fazia e já achava um esforço imenso, imagina tendo que trabalhar
oito horas por dia junto com tudo isso.
Mas
ela foi. Se inscreveu, fez o curso durante dois anos, se formou e, acredite,
esse processo não foi fácil. Durante dois longos
anos não foram raros os choros devido ao cansaço e estresse de um dia inteiro
fora de casa, nem as brigas ao chegar de noite e ver que eu e meu irmão não
tínhamos lavado a louça. Por todo esse tempo minha mãe acordou às cinco horas
da manhã, tomou seu farto café e, como Clark Kent, colocava seu óculos e se
preparava para mais um dia.
E
foi assim que a minha visão de super-herói mudou e passei a acreditar neles
novamente, mas não no tipo que voava e podia levantar carros e sim, naquela que
era capaz de trabalhar, estudar, cuidar da casa e dar amor à família
simultaneamente, com muita maestria. De repente a figura de super-heroína se
materializou na forma de Fernanda, a qual não tinha uma capa vermelha e nem era
capaz de levantar um carro com suas próprias mãos, só possuía um grande coração
e muita garra.
Com
ela aprendi a perseverança, a lutar pelo o que eu quero, a me empenhar em tudo
o que faço e, na minha concepção, esse era seu superpoder, não algo tão banal
quanto a força física. Ok, talvez ela não tenha salvado o mundo de algum vilão
sinistro, contudo, ela sobreviveu e
continua a sobreviver nesse mundo e me inspira a fazer mesmo, principalmente
quando não estou com muita vontade – afinal, que mãe não sabe arranjar um jeito
de fazermos algo, né?
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