segunda-feira, 5 de junho de 2017

Não é um pássaro e nem um avião

Aluno 148
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Durante meus dezoito anos de vida, nunca conheci uma criança que não acreditasse em super-heróis. Desde muito cedo na infância somos apresentados à ideia da existência de pessoas que, munidas de superpoderes diversos, como teias de aranha incrivelmente resistentes que saem de seus pulsos ou um corpo forte como aço, podem salvar o mundo de suas mazelas. Consequentemente, passamos a acreditar com veemência em um mundo o qual essas pessoas existem e, inclusive, temos vontade de ser como eles; usamos fantasias, máscaras, corremos pela rua com uma mão para cima e outra na cintura, mimetizando a imponência de Clark Kent ao sobrevoar os céus.
            Porém, notem que na minha frase digo nunca ter conhecido uma criança que não acreditasse em super-heróis, porque ao longo do nosso crescimento vamos abandonando essa crença e, se isso não acontece, é bem provável que você acabe sendo o infantil da turminha. Então aí é que entram nossos pais, tios, avós, avôs, os quais cumprem a delicada função de pegar em nossas mãozinhas fofinhas e sujas de areia e dizer: “Talvez isso de voar não exista” e desse momento em diante estamos por nossa conta, no caminho para lidar com a enxurrada de desilusões que o futuro traz.
Agora eu sei que isso de voar não existe mesmo e que, infelizmente, se eu for picada por uma aranha não vou soltar teias e escalar prédios como Peter Parker, mas também sei que a definição de herói é subjetiva. Confesso ter demorado um bom tempo para chegar a essa conclusão da subjetividade, que foi com mais ou menos doze anos, quando minha mãe, com quarenta, resolveu voltar a estudar.
Fernanda, minha mãe, sempre teve que se esforçar para conseguir as coisas porque sua vida, sendo uma mulher e ainda por cima de família humilde, não foi exatamente fácil e isso acabou a impossibilitando de cursar um ensino superior. Além disso, logo após ter se formado no Ensino Médio, com a mesma idade que eu ao escrever este texto, ficou grávida da minha irmã e, quatro anos depois do meu irmão, e sete anos depois dele, de mim e, assim, a faculdade se afastava cada vez mais, foco sendo cuidar de nós três. Entretanto, minha mãe nunca reclamou da tarefa exaustiva que era lidar com três filhos temperamentais e pode-se dizer que executou essa tarefa com excelência, pois hoje somos pessoas de bom caráter, bochechas coradas e com sorrisos no rosto.
Era natural que, depois de cuidar de nós por longos anos, era hora de Fernanda cuidar dela mesma, mas na época que minha mãe decidiu se inscrever para um curso de Técnica em Nutrição eu achei loucura. Além do cansativo e mal-pago trabalho de telemarketing que ela fazia, ainda teria que estudar, fazer provas, trabalhos, coisas que eu fazia e já achava um esforço imenso, imagina tendo que trabalhar oito horas por dia junto com tudo isso.
Mas ela foi. Se inscreveu, fez o curso durante dois anos, se formou e, acredite, esse processo não foi fácil. Durante dois longos anos não foram raros os choros devido ao cansaço e estresse de um dia inteiro fora de casa, nem as brigas ao chegar de noite e ver que eu e meu irmão não tínhamos lavado a louça. Por todo esse tempo minha mãe acordou às cinco horas da manhã, tomou seu farto café e, como Clark Kent, colocava seu óculos e se preparava para mais um dia.
E foi assim que a minha visão de super-herói mudou e passei a acreditar neles novamente, mas não no tipo que voava e podia levantar carros e sim, naquela que era capaz de trabalhar, estudar, cuidar da casa e dar amor à família simultaneamente, com muita maestria. De repente a figura de super-heroína se materializou na forma de Fernanda, a qual não tinha uma capa vermelha e nem era capaz de levantar um carro com suas próprias mãos, só possuía um grande coração e muita garra.
Com ela aprendi a perseverança, a lutar pelo o que eu quero, a me empenhar em tudo o que faço e, na minha concepção, esse era seu superpoder, não algo tão banal quanto a força física. Ok, talvez ela não tenha salvado o mundo de algum vilão sinistro, contudo, ela sobreviveu e continua a sobreviver nesse mundo e me inspira a fazer mesmo, principalmente quando não estou com muita vontade – afinal, que mãe não sabe arranjar um jeito de fazermos algo, né?
           
            

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