quinta-feira, 1 de junho de 2017

Prefiro lembrar.

Reescrita
Aluno 163



Minha memória sempre foi péssima, metade das lembranças da minha infância são contadas na voz da minha irmã e a outra metade já foi esquecida há bastante tempo. Por culpa desse desleixo, aprendi a escrever histórias usando datas, lugares, números e acontecimentos com o intuito de não esquecê-los - sem qualquer pretensão de criar obras literárias ou fazer grandes críticas.
O processo de escrever para fixar começou entre a quarta e quinta série quando a professora escreveu no quadro: Geografia. Não sabia muito bem o que significava essa matéria na época, mas eu a odiei. Era estado demais, capital demais e, na prática, coisas a saber de cór demais.
Nenhum dos meus colegas pareceu achar incabível quando vinte e seis estados, mais o Distrito Federal, e suas respectivas capitais ocuparam todo o quadro naquela aula, mas para mim foi uma afronta, porque bem embaixo da tabela a professora havia escrito “estudem para próxima aula” e isso que implicava dizer “decorem”.  Voltei pra casa pensando em como eu aprenderia aquilo, já que não seria nada útil usar os dedos como fazia para calcular ou bater palmas para saber a divisão silábica.
Eu odiava a professora, odiava Geografia, mas odiava mais ainda a ideia de ter que repetir o ano. Então, fiz a única coisa que pareceu ter sentido na época, procurei a minha mãe. Lemos em voz alta dez, quinze, vinte vezes a bendita tabela e de nada adiantou. Ainda não sabia dizer qual era a capital de Amazonas ou de que estado Fortaleza era capital. Fui dormir naquela noite com a certeza de que veria meus colegas só nos intervalos no próximo ano.
Por algum motivo, na manhã seguinte, pareceu fazer sentido inventar algum contexto usando as linhas da tabela e, surpreendentemente, a maior parte das informações simplesmente não evaporaram dois segundos depois de ler as frases que eu havia acabado de anotar. Em pouco tempo eu já tinha escrito três páginas contando as Aventuras do Mochileiro.
Na história Guilherme só tinha um boné vermelho, uma mochila abarrotada de roupas e muita vontade de viajar pelo Brasil. A viagem começava no Rio Janeiro e seguia até São Paulo, de lá o garoto pegava uma carona até Distrito Federal em uma Brasília amarela. No final da Aventura, Guilherme já tinha conhecido todos os estados e eu, decorado os Estados e suas Capitais.
Foi a primeira vez que pareceu realmente útil imaginar cenários e personagens como eu costumava fazer sem perceber. Depois das Aventuras de Guilherme, tiveram as Crônicas do Plural e A Ciência da Água. Logo criar histórias acabou se tornando minha atividade favorita.
Contudo, com o passar do tempo, arrumei outras formas de estudar e me organizar mais simples do que fantasiar contos com cada nome ou número complicado. Todavia, o costume de escrever textos se perpetuou e a inclinação pela leitura só aflorou a vontade de contar e lembrar minhas próprias histórias. 

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