sábado, 3 de junho de 2017

Para depois, nada

Aluno 153
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Devido à monotonia do dia a dia surge uma vontade de ter novas experiências que levam a fuga da rotina. Foi com a vontade de uma dessas fugas que um domingo de 2004 se iniciou. Essas novas descobertas se restringem quando, em uma família, existe apenas uma fonte de renda e um total de cinco pessoas para viver dela. Assim era o novo para os meus pais: limitado.

Não iríamos poder viajar, pois não teríamos como cobrir os gastos, mas meus pais queriam fazer algo diferente. Resolveram que iriamos almoçar fora naquele domingo. A euforia tomou conta das três crianças de 7 a 13 anos. O almoço seria em um restaurante na cidade vizinha.

Um pouco antes de sairmos, meu avô paterno, que morava na frente da nossa casa, nos convidou para o almoço de domingo dele: a clássica carne acompanhada de salada de batata. Por um momento meu pai ficou dividido entre almoçar com o pai dele ou cumprir com o combinado com os filhos, que faziam toda aquela bagunça pelo almoço diferenciado. Seus pais estavam bem, então ele resolveu acalmar as ferinhas. Fomos ao restaurante.

Confesso não lembrar muito bem do que comemos talvez a comida não tenha sido tão importante. O divertido mesmo seria nos deslocarmos todos juntos até lá, já que meu pai trabalhava com transportes e ficava a maior parte do tempo longe de casa. Almoçamos e voltamos. Vida que segue. Segunda-feira. Meu pai saiu para o trabalho, meu irmão e minha irmã para a escola, eu e minha mãe ficamos em casa. Ouvi algumas vozes:

-          Vem rápido!

E realmente foi tudo muito rápido. Não me lembro de ter visto minha mãe sair, só lembro-me da nossa vizinha chegando para me buscar e dizendo que naquela manhã almoçaria com ela. Como ela preparava coisas deliciosas, não hesitei e fui contente para casa dela.

No decorrer da manhã, vi uma tia minha chegar à casa da vizinha e sequer me dar oi. Conversou baixinho e rápido com a dona da casa e foi embora. Achei a situação estranha, porém não pensei muito sobre e continuei a aventura gastronômica com minha vizinha. Passaram algumas horas e minha mãe voltou para casa com uma aparência triste, novamente não fazia ideia do que poderia ter acontecido.

-          Então, filha, hoje de manhã o vozinho passou mal, teve um problema no coração e não resistiu. Faleceu.

Não fiquei triste. Eu não tinha noção do era a morte, felizmente não havia perdido nenhuma pessoa próxima até aquele momento. Não chorei, não senti nada.

Seguimos para o funeral e quando avistei meu pai chorando, uma tristeza muito grande tomou conta de mim. “Adultos não choram!” Foi meu primeiro pensamento.

Mas meu pai não era o único adulto que chorava. Meus tios, primos, vizinhos, todos choravam. O único choro que me deixava triste era do meu pai. Cresci vendo ele sério, sendo respeitado por todos conhecidos, não expressando muitas emoções além do carinho pelos filhos e pela esposa. Vê-lo chorar naquela cadeira da mesma forma que eu chorava no colo da minha mãe quando me machucava me deixou desolada. Eu não entendia a situação. Eu não entendia a morte, não haviam me ensinado como lidar com ela.

Nos dias que seguiram continuei não entendendo muito, apenas sabendo que eu não veria mais o meu vizinho preferido que sempre tinha uma balinha escondida para dar para os netos.

Com o passar do tempo fui compreendendo o que tinha acontecido naquele dia. Meu pai tinha perdido o pai dele subitamente, meu avô não tinha nenhum indício de complicações com a saúde. Porém, além da perda do familiar, meu pai também perdeu a chance a ter tido a última refeição ao lado do pai dele por uma simples vontade. Um simples almoço que fugia da rotina.

Consegui compreender a dor daquelas perdas – não sei qual das duas doeu mais – e consegui compreender também que, sempre que possível, não se deve deixar nenhum evento, nenhuma conversa, nenhum “eu te amo” ou “desculpa” para depois. Não temos controle sobre todas as situações, não sabemos quais surpresas a vida nos reserva. O depois é a maior ilusão que o homem pode ter. O “depois” que meu pai se arrependeu por ter dito hoje serve para que eu não use o mesmo. O momento de dar atenção e valor às pessoas que amamos é sempre agora.

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