Aluno 153
1 Versão
Devido à monotonia do dia a dia
surge uma vontade de ter novas experiências que levam a fuga da rotina. Foi com
a vontade de uma dessas fugas que um domingo de 2004 se iniciou. Essas novas
descobertas se restringem quando, em uma família, existe apenas uma fonte de
renda e um total de cinco pessoas para viver dela. Assim era o novo para os
meus pais: limitado.
Não iríamos poder viajar, pois
não teríamos como cobrir os gastos, mas meus pais queriam fazer algo diferente.
Resolveram que iriamos almoçar fora naquele domingo. A euforia tomou conta das
três crianças de 7 a 13 anos. O almoço seria em um restaurante na cidade
vizinha.
Um pouco antes de sairmos, meu
avô paterno, que morava na frente da nossa casa, nos convidou para o almoço de
domingo dele: a clássica carne acompanhada de salada de batata. Por um momento
meu pai ficou dividido entre almoçar com o pai dele ou cumprir com o combinado
com os filhos, que faziam toda aquela bagunça pelo almoço diferenciado. Seus
pais estavam bem, então ele resolveu acalmar as ferinhas. Fomos ao restaurante.
Confesso não lembrar muito bem do
que comemos talvez a comida não tenha sido tão importante. O divertido mesmo
seria nos deslocarmos todos juntos até lá, já que meu pai trabalhava com
transportes e ficava a maior parte do tempo longe de casa. Almoçamos e
voltamos. Vida que segue. Segunda-feira. Meu pai saiu para o trabalho, meu
irmão e minha irmã para a escola, eu e minha mãe ficamos em casa. Ouvi algumas
vozes:
-
Vem rápido!
E realmente foi tudo muito
rápido. Não me lembro de ter visto minha mãe sair, só lembro-me da nossa
vizinha chegando para me buscar e dizendo que naquela manhã almoçaria com ela.
Como ela preparava coisas deliciosas, não hesitei e fui contente para casa
dela.
No
decorrer da manhã, vi uma tia minha chegar à casa da vizinha e sequer me dar
oi. Conversou baixinho e rápido com a dona da casa e foi embora. Achei a
situação estranha, porém não pensei muito sobre e continuei a aventura
gastronômica com minha vizinha. Passaram algumas horas e minha mãe voltou para
casa com uma aparência triste, novamente não fazia ideia do que poderia ter
acontecido.
-
Então, filha, hoje de manhã o
vozinho passou mal, teve um problema no coração e não resistiu. Faleceu.
Não fiquei triste. Eu não tinha
noção do era a morte, felizmente não havia perdido nenhuma pessoa próxima até
aquele momento. Não chorei, não senti nada.
Seguimos para o funeral e quando
avistei meu pai chorando, uma tristeza muito grande tomou conta de mim. “Adultos
não choram!” Foi meu primeiro pensamento.
Mas meu pai não era o único adulto que chorava.
Meus tios, primos, vizinhos, todos choravam. O único choro que me deixava
triste era do meu pai. Cresci vendo ele sério, sendo respeitado por todos
conhecidos, não expressando muitas emoções além do carinho pelos filhos e pela
esposa. Vê-lo chorar naquela cadeira da mesma forma que eu chorava no colo da
minha mãe quando me machucava me deixou desolada. Eu não entendia a situação.
Eu não entendia a morte, não haviam me ensinado como lidar com ela.
Nos dias que seguiram continuei
não entendendo muito, apenas sabendo que eu não veria mais o meu vizinho
preferido que sempre tinha uma balinha escondida para dar para os netos.
Com o passar do tempo fui
compreendendo o que tinha acontecido naquele dia. Meu pai tinha perdido o pai
dele subitamente, meu avô não tinha nenhum indício de complicações com a saúde.
Porém, além da perda do familiar, meu pai também perdeu a chance a ter tido a
última refeição ao lado do pai dele por uma simples vontade. Um simples almoço
que fugia da rotina.
Consegui compreender a dor daquelas perdas – não
sei qual das duas doeu mais – e consegui compreender também que, sempre que
possível, não se deve deixar nenhum evento, nenhuma conversa, nenhum “eu te amo”
ou “desculpa” para depois. Não temos controle sobre todas as situações, não
sabemos quais surpresas a vida nos reserva. O depois é a maior ilusão que o
homem pode ter. O “depois” que meu pai se arrependeu por ter dito hoje serve
para que eu não use o mesmo. O momento de dar atenção e valor às pessoas que
amamos é sempre agora.
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