segunda-feira, 5 de junho de 2017

O caderno amarelo

Aluno 174
Reescrita


Eu achei um pequeno caderno amarelo. Nele haviam pensamentos e pequenas histórias. Porém, não havia nome. Como eu ia saber de quem era para devolver? E será que eu queria devolver? Eu gostei daquelas histórias e anedotas que me reconfortaram de alguma forma. Não estava tendo um dia bom e aquele encontro com o caderno na sala de espera do consultório foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. Em cada página havia um pequeno desenho que ia se completando com o meu folhear. Frases perspicazes que me traziam sorrisos no rosto. Pequenas histórias que me faziam sair da sala branca com várias portas amarelas e duas janelas azuis e retornar a infância e a simplicidade dos seus dias.
O desenho completo formava dois rostos com traços simples e marcantes. A expressão de cada um era diferente, mas ambos estavam felizes. O rosto da esquerda era mais novo e usava um óculos. O da direita era mais velho, com marcas de expressão e uma pequena mancha ao lado da boca. Um fato curioso é que eu não conseguia fazer a distinção de homem ou mulher e parecia que eu já os havia visto por ai.
O caderno amarelo trazia mistérios além dos desenhos. As frases me remetiam coisas boas e me proporcionavam pensamentos questionadores, dúvidas que eu não tinha há muito tempo. Como na música do Marcelo Camelo que estava transcrita ali, me perguntava se "Foi só amor ou medo de ficar sozinha outra vez?". Quando eu parei de "Doar felicidade nas pequenas coisas"? E será que "Você já pensou que talvez tenha ido longe demais?". As frases me trouxeram reflexões muito maiores: eu fui longe demais? Como anda a minha vida? Por que eu vivo desta forma e não de outra? Quando olhar para os lados deixou de se tornar importante? Sou superior aos outros, por isso não sou empática?  Por que eu tive que achar um caderno para notar algo além de mim? Onde é que eu estou nos caminhos da vida?
Curioso como esse caderno me fez pensar tanto, durante tão pouco tempo, comecei a observar o espaço em que eu estava e percebi olhares e situações que antes me deixavam feliz e um tanto intrigada. Um senhor sentado jogando damas no celular (fiquei sabendo porque ele estava gritando com a "máquina do demônio"), uma mãe e um filho de costas observando uma fotografia da Anne Guedes, um homem tentando chamar a atenção de um pássaro na janela, momentos simples e pequenos que eu já não percebia mais. 
Olhei novamente para o caderno e me questionei, quem poderia ter deixado isso aqui? Penso que deveria devolvê-lo, mas também penso que invadi o espaço pessoal da pessoa ao ler suas confidências. Fico com essa dúvida na cabeça e acabo notando que a mãe e o menino haviam sentado em cadeiras que estavam vazias ao meu lado. Percebo que conheço eles de algum lugar, o óculos e a mancha ao lado da boca. Eles são os desenhos. Eles são as histórias. Eles são o caderno amarelo que tanto me encantou. 
Ao perceber isso, me aproximo dos dois e tento entregar a eles o caderno. A mulher diz que não sabe o que é e o menino confirma com a cabeça. Logo depois, eles são chamados pela Dra. Alvarenga e eu fico com o caderno. De quem será então? Quem me fez pensar em tudo o que eu sou e quem vou ser? A pessoa deve estar ali em algum lugar. Continuo pensando e coloco o caderno amarelo em cima da mesa de centro, pensando que ninguém ia pegar. 
Começo a perceber que eu mudei nesse meio tempo em que folheei o caderno. Os questionamentos trazidos surtiram um efeito. Notar alguém além de mim mesma havia transformado o meu pensamento.  As minhas perspectivas estavam mudando, queria as novas experiências que o mundo poderia me proporcionar, assim como a descoberta das frases e desenhos no caderno amarelo.  Divago sobre o que eu mudarei em mim assim que sair do consultório, como eu gostaria que a minha vida fosse a partir de agora. Minhas atitudes teriam que mudar, seria mais solicita com as pessoas, observá-las melhor e notá-las, como quem possui o caderno fez. Eu esperava que desse certo, que a vida mudasse para melhor.
Nisso, a moça da limpeza entra no consultório varrendo o chão e observando os arredores. Ao sair das minhas divagações, percebo que ninguém a nota, todos continuam fazendo suas coisas um tanto inúteis. Em alguns momentos, ela tenta sorrir para alguém, porém não acha ninguém que olhe para ela. Durante um segundo ela vira para mim e eu olhando para ela, sorrio. A sua expressão muda completamente, fica radiante. Volto aos meus pensamentos de mudança e quase não noto quando ela pega o caderno da mesa e coloca no seu bolso. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário