Aluno 154
1 Versão
Eu nunca entendi meu tio Danilo. Ele
foi criança, atleta, estudou, virou empresário, foi amado, foi pai, escalou o
Fitz Roy, e nada, de tudo que experienciou em seus quarenta e nove anos, o impediu
de apontar um revólver para a cabeça e disparar, acabando com a própria vida.
“Sempre foi difícil entender o
Danilo” Diz, com frequência, a irmã gêmea de meu tio, minha mãe, “De criança eu
não lembro direito, mas a mãe diz que nunca agimos parecido. E, na medida em
que crescíamos, éramos o oposto um do outro: ele ‘arteiro’, eu bem calma; ele
gostava de rock, eu sempre preferi samba; ele conheceu a guria e já foi casar,
enquanto eu namorei o Paulo por oito anos pra começar a pensar nisso.” diz ela.
Eu tampouco entendia ele, aquele cara alto, moreno, envergonhado e quieto, por
quem eu sentia grande afeição mesmo sem proximidade, pois o tio Danilo era
diferente dos meus pais (isso eu sempre entendi), e por isso eles não se
relacionavam muito.
Tio Danilo ascendeu cedo ao "mundo adulto". Casou e saiu de
casa aos dezenove anos. Com sua mulher, acabou por logo ter um filho. Colocou
sua própria empresa no mercado e alcançou estabilidade financeira com ela. Tudo
corria bem, mas, rápida como a ascensão, veio a queda. Ninguém sabe ao certo o
que aconteceu, mas quando meu primo tinha quatro anos, meu tio e a esposa se
separaram e, logo depois, a empresa faliu e foi vendida. Ele continuou sendo a
mesma pessoa, dizem sempre meus pais, como se isso não o tivesse tocado ou
abalado. O mundo ruiu ao seu redor e ele se manteve lá, alto, moreno,
envergonhado e quieto, como eu o conheci. A principal recordação que tenho dele
é a de meus pais se perguntando o porquê dele ter estagnado de maneira
incorruptível e o usando como imagem de pária, sendo comuns, quando, por
exemplo, eu não fazia o tema do colégio, comentários do tipo: “Olha o tio
Danilo, tu quer ser assim?”. Ele era a cobra que leva à maçã. Era a própria
maçã. Era a cobra e a maçã, quem sabe?!
Quando eu tinha doze anos, recebi a notícia de seu suicídio, e mais uma
vez não entendi o tio Danilo. Ninguém da família entendeu ou, arrisco dizer,
entende o que aconteceu com ele, mas vejo até hoje uma espécie de sentimento de
raiva reprimida na maioria de meus parentes, o que eu achava estranho, mesmo na
época da morte dele.
Eu achava estranho, porque tio Danilo era alguém, não era personagem de
novela, não era inconsciente coletivo. Talvez por isso ninguém interpretou seus
sinais, ninguém ficou curioso com o que aconteceria, ninguém viu o que ele via.
Diferentemente de Hemingway, Van Gogh ou Kurt Cobain, ele viveu metade da vida
em silêncio, não escreveu, pintou ou cantou, após cair ele, a casa e o mundo
inteiro ao seu redor - não necessariamente nessa ordem -, ficou lá, alto,
moreno, envergonhado e quieto. Não lutou, não pediu, não gritou. Ou nós não o
escutamos.
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