Reescrita
Aluno 156
No começo pareciam pequenos tesouros que, reluzindo
uma pontinha no chão, volta e meia eu desenterrava. Um ditado aqui, uma redação
ali. Assim eu começava a escrever, despretensiosamente, na escola. Conservei
essa visão sobre a escrita até que, gradualmente, fui descobrindo que na
verdade esses processos de produção de texto não são tesouros a serem
descobertos, mas sim teias a serem construídas. E essa mudança começou quando
eu estava no segundo ano do ensino médio e minha professora de literatura, após
observar meus textos produzidos em aula, resolveu me convidar para participar
de um projeto de pesquisa.
Mas que projeto? Sim, também fiz essa pergunta logo
após o convite. Tratava-se de um trabalho com enfoque duplo sobre o gênero
textual crônica, o qual eu faria com uma amiga de outra turma, orientados por
esta professora quanto às metodologias. Deveríamos pesquisar e reunir
informações sobre a história desses textos no Brasil a partir de leituras
teóricas, com textos de Antonio Candido, por exemplo, e leitura das crônicas de
alguns autores, como Martha Medeiros e Caio Fernando Abreu. O segundo foco seria
escrever nossas próprias crônicas. Analisando agora, elaboro a opinião de que o
tema de pesquisa não era muito adequado para o padrão de um projeto desse tipo,
pois era muito vago e não tinha uma problemática relevante ou uma questão a ser
trabalhada. Por outro lado posso afirmar que a parte que dizia respeito à escrita
foi transformadora.
Óbvio que por transformadora pode-se entender
muitas coisas diferentes, então onde quero chegar com isso? Quando eu
classifico essa experiência como algo que transforma quero dizer que antes eu
via a escrita como um único trabalho no qual poderiam ser considerados apenas erros
de ortografia e gramática. Mas a partir do momento em que tivemos que começar a
reescrever nossas crônicas duas, três, dez vezes, comecei a assimilar que a
escrita pressupõe a reescrita. É um processo contínuo e amplo, pois necessita
da mudança constante e compreende diversos tipos de conhecimento (linguístico,
de forma, de estética, de contexto etc). Produzir para o projeto era um
processo delicado em que trocávamos por vezes apenas um termo ou sua posição
para dar um sentido ou um efeito melhor à frase, ou alterávamos um parágrafo
inteiro para mudar o propósito do texto. Não poucas vezes me vi até as duas da
madrugada reescrevendo uma única crônica, com olhos fatigados, dedos doloridos
e coluna curvada ao computador. E um texto nunca parecia estar finalizado.
Nosso projeto se chamava “Entreteias: a crônica na
teoria e na prática”, pois entre teias de conhecimentos e sensações do dia a
dia é que se constrói e reconstrói uma crônica. Foi assim que o projeto me
ajudou a entender a escrita como um processo que pode se estender ao infinito. Uma
atividade que exige, antes de tudo, o domínio de muitos conhecimentos
adquiridos através de muitas leituras. Só quando parei de tentar desenterrar de
mim textos prontos para atribuir-lhes defeitos e comecei a confeccionar e
reconfeccionar minhas teias parágrafo por parágrafo, versão após versão.
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