sábado, 3 de junho de 2017

Como comecei a escrever

Reescrita 
Aluno 156


No começo pareciam pequenos tesouros que, reluzindo uma pontinha no chão, volta e meia eu desenterrava. Um ditado aqui, uma redação ali. Assim eu começava a escrever, despretensiosamente, na escola. Conservei essa visão sobre a escrita até que, gradualmente, fui descobrindo que na verdade esses processos de produção de texto não são tesouros a serem descobertos, mas sim teias a serem construídas. E essa mudança começou quando eu estava no segundo ano do ensino médio e minha professora de literatura, após observar meus textos produzidos em aula, resolveu me convidar para participar de um projeto de pesquisa.
Mas que projeto? Sim, também fiz essa pergunta logo após o convite. Tratava-se de um trabalho com enfoque duplo sobre o gênero textual crônica, o qual eu faria com uma amiga de outra turma, orientados por esta professora quanto às metodologias. Deveríamos pesquisar e reunir informações sobre a história desses textos no Brasil a partir de leituras teóricas, com textos de Antonio Candido, por exemplo, e leitura das crônicas de alguns autores, como Martha Medeiros e Caio Fernando Abreu. O segundo foco seria escrever nossas próprias crônicas. Analisando agora, elaboro a opinião de que o tema de pesquisa não era muito adequado para o padrão de um projeto desse tipo, pois era muito vago e não tinha uma problemática relevante ou uma questão a ser trabalhada. Por outro lado posso afirmar que a parte que dizia respeito à escrita foi transformadora.
Óbvio que por transformadora pode-se entender muitas coisas diferentes, então onde quero chegar com isso? Quando eu classifico essa experiência como algo que transforma quero dizer que antes eu via a escrita como um único trabalho no qual poderiam ser considerados apenas erros de ortografia e gramática. Mas a partir do momento em que tivemos que começar a reescrever nossas crônicas duas, três, dez vezes, comecei a assimilar que a escrita pressupõe a reescrita. É um processo contínuo e amplo, pois necessita da mudança constante e compreende diversos tipos de conhecimento (linguístico, de forma, de estética, de contexto etc). Produzir para o projeto era um processo delicado em que trocávamos por vezes apenas um termo ou sua posição para dar um sentido ou um efeito melhor à frase, ou alterávamos um parágrafo inteiro para mudar o propósito do texto. Não poucas vezes me vi até as duas da madrugada reescrevendo uma única crônica, com olhos fatigados, dedos doloridos e coluna curvada ao computador. E um texto nunca parecia estar finalizado.
Nosso projeto se chamava “Entreteias: a crônica na teoria e na prática”, pois entre teias de conhecimentos e sensações do dia a dia é que se constrói e reconstrói uma crônica. Foi assim que o projeto me ajudou a entender a escrita como um processo que pode se estender ao infinito. Uma atividade que exige, antes de tudo, o domínio de muitos conhecimentos adquiridos através de muitas leituras. Só quando parei de tentar desenterrar de mim textos prontos para atribuir-lhes defeitos e comecei a confeccionar e reconfeccionar minhas teias parágrafo por parágrafo, versão após versão.

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