Aluno 163
1 Versão
Minha memória sempre foi péssima, metade
das lembranças da minha infância são contadas na voz da minha irmã e a outra
metade já foi esquecida há bastante tempo. Por culpa desse desleixo, aprendi a
escrever histórias usando datas, lugares, números e acontecimentos com o
intuito de não esquecê-los - sem qualquer pretensão de criar obras literárias
ou fazer grandes críticas.
O processo de escrever para fixar começou
entre a quarta e quinta série quando a professora escreveu no quadro:
Geografia. Não sabia muito bem o que significava essa matéria na época, mas eu
a odiei. Era estado demais, capital demais e, na prática, coisas a saber de cór
demais.
Nenhum dos meus colegas pareceu achar incabível quando vinte e seis estados, mais o Distrito Federal,
e suas respectivas capitais ocuparam todo o quadro naquela aula, mas para mim
foi uma afronta, porque logo depois da tabela a professora havia escrito
“estudem para próxima aula” e isso que implicava dizer “decorem”. Voltei pra casa pensando em como eu
aprenderia aquilo, já que não seria nada útil usar os dedos como fazia para
calcular ou bater palmas para saber a divisão silábica.
Eu odiava a professora, odiava Geografia,
mas odiava mais ainda a ideia de ter que repetir o ano. Então, fiz a única
coisa que pareceu ter sentido na época, procurei a minha mãe. Lemos em voz alta
dez, quinze, vinte vezes a bendita tabela e de nada adiantou. Ainda não sabia
dizer qual era a capital de Amazonas ou de que estado Fortaleza era capital.
Fui dormir naquela noite com a certeza de que veria meus colegas só nos
intervalos no próximo ano.
Por algum motivo, na manhã seguinte,
pareceu fazer sentido inventar algum contexto usando as linhas da tabela e,
surpreendentemente, a maior parte das informações simplesmente não evaporaram
dois segundos depois de ler as frases que eu havia acabado de anotar. Foi a
primeira vez que pareceu útil imaginar cenários e personagens como eu costumava
fazer sem perceber.
Com o passar do tempo, arrumei outras
formas de estudar e me organizar mais simples do que fantasiar contos com cada
nome ou número complicado. Todavia, o costume de escrever textos se perpetuou e
a inclinação pela leitura só aflorou a vontade de contar e lembrar minhas
próprias histórias.
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