sábado, 3 de junho de 2017

Ataque Cardíaco Fulminante

Minha família é muito parecida, tanto no físico quanto no gênio. Pálidos, meio rechonchudos, a maioria com olhos claros e pé grande. Não sabemos pedir desculpa ou ser contrariados, mas damos nosso melhor para conviver em relativa harmonia, pelo menos a maioria de nós.
            Leandro, o meu tio, sempre foi alguém impulsivo com um pai mais impulsivo ainda. Eram acontecimentos raros quando ele e meu avô conseguiam trocar meia dúzia palavras sem, duas dúzias de farpas em seguida. As brigas nunca passavam de discussões acaloradas em que no final cada um ia pra um lado e no outro dia voltavam a se falar.
            Isso era tão comum que ninguém previu o que ia acontecer num dos churrascos de domingo. Tudo começou como sempre, batatas pra salada cozinhando, carne sendo salgada e muita cerveja em cima da mesa. Até a metade do almoço, entre um assunto e outro, os ânimos se exaltaram ao ponto do meu avô e Leandro se levantarem derrubando as cadeiras aos gritos tomados pela fúria.
O negócio foi tão feio que as crianças, eu e meus irmãos, fomos expulsos da cozinha e escondidos no quarto. Depois de muitos gritos o silêncio se instaurou na casa, a única coisa que conseguíamos ouvir eram nossas próprias respirações abafadas.          
Quando foram nos buscar no quarto só notei que as cadeiras já estavam no lugar e meu tio não estava mais ali. Ele tinha ido embora. E dessa vez não foi como nas outras, ele não voltou no outro dia, nem no seguinte. Minha mãe me contou que ele tinha se mudado pra outra casa.
Demorou exatos quatro anos pra ele voltar a participar dos churrascos de domingo. No entanto, nunca mais foi a mesma coisa entre ele e o pai. Os dois não se olhavam, não trocavam palavras, era como se fossem estranhos um ao outro.
Outro acontecimento que a minha família também não previu foi o falecimento do meu avô no mesmo ano. Ataque cardíaco fulminante, dizia o laudo médico. Ninguém estava preparado para perder aquele cabeça dura, muito menos Leandro, que chorou por dias, arrependido de ter sido tão orgulhoso.

            Ver meu tio magoado por não ter feito as pazes com o pai me ensinou que a vontade de sempre ter razão e a necessidade de demonstrar orgulho só prejudicam relações. Por causa disso, é fundamental ceder para não se arrepender de não ter voltado atrás.

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